São Paulo, domingo, 24 de abril de 1994
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Especialista aponta preconceito com dólar

NILTON HORITA
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando o assunto é dólar, o que vem na cabeça é ilegalidade. Depois dos escândalos sucessivos na política brasileira, o o dólar tornou-se sinônimo de corrupção, lavagem de dinheiro de drogas e sonegação.
Segundo Nathan Blanche, presidente da Anoro (Associação Nacional de Câmbio e Ouro), um dos maiores especialistas de câmbio no país, o que há é muito preconceito.
"Existe dinheiro sujo no mercado de dólar, mas é muito menor do que o que está na poupança, CDBs, imóveis e fazendas", afirma Blanche, em entrevista à Folha.
"Nos Estados Unidos e na Itália tem Máfia? Tem, mas nem por isso estes países deixam de viver um regime de plena liberdade cambial", afirma o presidente da Anoro.

Folha - Toda corrupção traz junto o dólar para o noticiário. Como o senhor vê isso?
Nathan Blanche - Desde a década de 40, dólar e ouro são coisas de bandido no Brasil. Conseguimos vencer parte desse preconceito nos últimos cinco anos com o fim da obstrução total que havia. Hoje, quem viaja ao exteriror tem direito a gastar US$ 4 mil, mais US$ 8 mil no cartão de crédito.
Mas toda vez que se fala em PC Farias, Collor, Castor de Andrade, anões do Orçamento, tem dólar metido no meio realmente. Isso cria uma psicose de país subdesenvolvido que não conhece liberdade cambial.
Folha - Quem encontra o dinheiro abrigado no dólar é a própria Justiça. Não dá para atribuir isso a simples psicose nacional, o senhor concorda?
Blanche - Alguém examinou a caderneta de poupança destas pessoas? Alguém examinou o patrimônio em imóveis ou em nome de terceiros delas? Me desculpe, mas tudo o que foi encontrado dos anões estava em banco oficial, dentro do Congresso. Agora, é inegável, são pessoas esclarecidas, e, sem dúvida aplicaram um pouco na poupança, CDBs, imóveis e também em dólar.
Folha - Só que o dólar vem perdendo para a inflação nos últimos quatro anos. Será que o dólar não é preocurado mais para fazer a fuga do capital?
Blanche - Não sou contador do Castor, mas pelo visto a grande massa de recursos permaneceu no Brasil, em imóveis, CDBs e poupança. Apareceu transferência de US$ 497 mil do Castor para a Suíça. Será que a rede de jogo do bicho do Rio só rendeu US$ 497mil? Será que não tem um pouquinho mais de dinheiro que isso depositado na rede bancária, em cruzeiros? Tem e estão naquilo que eu chamo de contas agrícolas, ou seja, nas contas "laranja". Tem é que acabar com esse preconceito de câmbio bandido.
Folha - Como se faz isso?
Blanche - Nossa política cambial é toda em cima do conceito de escassez.
Tem restrição porque dólar era artigo escasso. O que acontecia antes do dólar flutuante? Os negócios eram feitos no "black", sem registro, em malinhas, na boca da noite. Fazia isso o bandido e o empresário brasileiro. Hoje está tudo rastreável, transparente e presente na sociedade.
Folha - Dizem, porém, que as contas de estrangeiros, as CC5, servem na verdade como meio para abrigar dinheiro sem registro algum...
Blanche - Passam pela CC5 dinheiro limpo da General Motors, mas também do Castor de Andrade. Olha, os Estados Unidos têm Máfia e a Itália também. Mas por isso não têm liberdade cambial?
Folha - Pode-se fiscalizar esse movimento?
Blanche - O que está no câmbio é mais fácil de fiscalizar do que o que está na poupança. Há todo um acompanhamento da Receita e do Banco Central. Porém, há 40 milhões de contas correntes no Brasil e somente seis milhões de contribuintes do Imposto de Renda. Alguma coisa está errada.
Folha - Há pessoas que defendem restrições ao movimento de dólar por causa dos acontecimentos. O senhor concorda?
Blanche - Se houver restrição ao câmbio, o dinheiro sujo vai continuar saindo, com o fechamento do fluxo cambial do país.
No mercado flutuante tem sonegação, corrupção, bandidagem, mas menos do que na poupança. Não há altenrativa. É a mesma coisa que acabar com a liberdade nos EUA porque 2% são negócios da Máfia.
Crime não se resolve com obstrução cambial. E nem com a restrição à liberdade de quem a merce. Senão vira país de quinto mundo. (Nilton Horita)

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