São Paulo, domingo, 24 de abril de 1994
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Crise renal de Brizola adiou comício no Rio

FERNANDO MOLICA
DA SUCURSAL DO RIO

Um velhinho de 90 anos roubou a cena no comício que, no dia 10 abril de 1984, na Candelária, centro do Rio, e elevou a campanha das diretas-já ao status de quase unanimidade nacional.
O velhinho era o advogado Sobral Pinto que pediu e conseguiu silêncio "para falar à nação". Em seguida, buscou na Constituição o mote de seu discurso: "Todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido", afirmou, para o delírio dos que ocupavam as avenidas Presidente Vargas e Rio Branco.
A complicada alquimia política que viabilizou o comício deixou em casa um dos mais famosos clientes do velho advogado de presos políticos: o comunista Luís Carlos Prestes.
Revoltado com a restrição à presença de representantes de partidos clandestinos no palanque –o governo militar reclamava das bandeiras vermelhas presentes em outros comícios– Prestes não foi à Candelária.
Com exceção de Prestes, parecia que todo mundo estava lá, sobre ou diante do palanque. Entre os que estavam no palanque, Xuxa, Fafá de Belém, Milton Nascimento, Sônia Braga, Chico Buarque, o presidente do PMDB, Ulysses Guimarães, o do PT, Luís Inácio Lula da Silva, e os governadores Franco Montoro, de São Paulo, Tancredo Neves, de Minas, e Leonel Brizola, do PDT.
Brizola, na semana anterior, chegou a levantar suspeitas sobre seu interesse em realizar a manifestação. O comício estava previsto para o 21 de março, mas Brizola começou a propor seu adiamento para abril.
No dia 14 de março, o jornalista Janio de Freitas, comentava, na Folha, que o adiamento se explicava pela conveniência de conceder mais tempo ao trabalho político em favor de uma "solução intermediária".
Graças a uma crise renal que o deixou internado por três dias, Brizola conseguiu o adiamento do comício –em 21 de março, Lula comandou uma passeata pelo centro do Rio.
O entusiasmo pelas diretas-já e pelo êxito do comício gerou uma inflação no número de presentes, que engenheiros do Estado calcularam em 1,1 milhão.
Em 89, ao medir, no mesmo local, o último comício da campanha presidencial de Lula, o Datafolha encontrou um público de 145.000 pessoas. Fotos dos dois comícios mostram que a presença em ambos era semelhante –no das diretas tinha mais gente, mas nada que justificasse a diferença de 900.000 pessoas.
Ao ser informado do público de 1 milhão, o presidente João Baptista Figueiredo, então no Marrocos, disse ao deputado Alcides Franciscato (PDS-SP) que, se estivesse no Brasil, seria a "milionésima-primeira pessoa" na Candelária. No dia seguinte Figueiredo obrigou Franciscato a negar que ouvira seu desbafo.
O comício pode não ter seduzido Figueiredo, mas conquistou a adesão da rede Globo, que transmitiu vários flashes da manifestação. Três meses antes, a Globo noticiara o primeiro grande comício da campanha, na praça da Sé, como uma comemoração ao aniversário de São Paulo.

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