São Paulo, domingo, 24 de abril de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Fraqueza dos líderes levou cruzada a final melancólico

DALMO DE ABREU DALLARI

Houve um dia em que o povo brasileiro foi às ruas exigindo a eleição direta do presidente da República. Isso aconteceu em 1984, quando vigorava no Brasil uma Constituição autoritária, decretada em 1969 por três chefes militares.
Em nome da conciliação e com a promessa de uma Assembléia Nacional Constituinte, que devolveria ao país a normalidade jurídica democrática, os principais líderes da mobilização popular retiraram o povo das ruas e, em segredo, negociaram o adiamento das diretas.
E o que deveria ter sido o retorno a um governo escolhido pelo povo foi a consagração do oportunismo, sem compromisso com a ética política e sem as condições mínimas para uma competente e vigorosa ação política inspirada nos interesses superiores do povo brasileiro.
A Constituição vigente a partir de 1969, decretada por três chefes militares, estabelecia que o presidente da República seria eleito por um colégio eleitoral, composto pelos membros do Congresso Nacional e por delegados das Assembléias Legislativas dos estados.
Esse critério tinha sido estabelecido para garantir a eleição formal do candidato que fora escolhido pelas Forças Armadas, pois se reconhecia que tal candidato não teria qualquer possibilidade em eleições populares.
A par disso, havia a convicção de que a maioria dos parlamentares tinha mais interesse em preservar o próprio mandato do que em sustentar princípios democráticos, e por esse motivo acataria o nome imposto pelo poder armado. Precisamente por isso o povo queria o direito de escolher o presidente da República.
Quando já era muito intenso o clamor popular, um deputado, Dante de Oliveira, propôs uma emenda constitucional estabelecendo que o próximo presidente da República seria eleito diretamente pelo povo.
Essa proposta passou a ser identificada como "emenda das diretas" e em torno dela se desenvolveu ampla mobilização popular, com o povo indo às ruas cheio de entusiasmo, participando de passeatas e comícios monumentais. Havia a convicção generalizada de que a vontade do povo, absolutamente clara, iria prevalecer, iniciando-se uma nova fase na história brasileira.
No dia 25 de abril de 1984 a emenda das diretas foi submetida à votação no Congresso Nacional e, para surpresa e enorme decepção do povo foi derrotada, permanecendo, portanto, a eleição indireta.
A favor da emenda votaram 298 deputados e 65 contra. Apesar da grande vantagem a emenda foi rejeitada, porque para sua aprovação a Constituição exigia o voto favorável da maioria absoluta dos membros de cada casa do Congresso.
Faltaram 22 votos de deputados para atingir esse quórum. Teve peso decisivo nessa votação o comportamento da bancada do PDS, partido do governo, que tinha dois candidatos em potencial à presidência da República, José Sarney e Paulo Maluf.
Esse partido dispunha de bancada numerosa e 113 de seus integrantes na Câmara dos Deputados preferiram contrariar a vontade inequívoca do povo e privilegiar seus interesses pessoais e partidários. E assim a emenda das diretas foi derrotada.
Haveria tempo para se propor nova emenda e a Constituição permitia isso, exigindo apenas que a proposta fosse assinada pela maioria absoluta dos membros de qualquer das câmaras. E provavelmente uma atitude firme dos líderes, conclamando o povo a protestar e resistir, paralisando o país se fosse necessário, levaria à conquista das diretas.
Entretanto, ocorreu coisa diversa. O principal líder do movimento, Ulysses Guimarães, que havia sido consagrado como "senhor diretas" e que tinha a seu crédito uma firme e corajosa resistência ao regime autoritário, preferiu abandonar a posição de luta à frente do povo e retomar seu velho estilo de negociador político.
Enquanto o povo voltava para casa, abatido e desanimado, à espera de que alguém lhe explicasse o que ocorrera e lhe dissesse como poderia continuar a luta pela democracia, foi desencadeado um grande processo de "conciliação", que culminaria em 25 de janeiro de 1985 com a eleição de Tancredo Neves.
Ulysses Guimarães pelo PMDB e Tancredo Neves pelo PFL firmaram em 7 de agosto de 1984 o "acordo das indiretas", criando a Aliança Democrática, para disputar a presidência no Colégio Eleitoral. A eles se juntou depois José Sarney, que até poucos dias antes tinha sido o delegado dos militares junto aos políticos. Sarney passara a ser dissidente do PDS por ter perdido para Maluf o posto de candidato à presidência da República.
Com a morte de Tancredo Neves antes de se tornar presidente, os conciliadores deram a Sarney a presidência do Brasil. Não poderia haver fim mais melancólico para a extraordinária cruzada cívica que foi a campanha das diretas.

Texto Anterior: As diretas e o eterno regresso da conciliação
Próximo Texto: Movimento provocou mudanças
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.