São Paulo, domingo, 24 de abril de 1994
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Movimento provocou mudanças

As diretas espalharam a urgência demoralidade pública

WANDERLEY GUILHERME DOS SANTOS

Diretas-já foi o segundo movimento extrapartidário (o primeiro foi o da anistia), mas o primeiro a ocupar as praças e os paços, as ruas, vielas e botequins.
Invasão generosa, mas com paixão e raiva também, ela aparentemente espalhou-se pelo vazio da participação reprimida. Aparentemente.
Postos em fuga pelo Diretas-já foram todos os medos, temores, todas as sombras, ameaças, intimidações. Mais do que uma demanda política de circunstância, o movimento, porque foi irreprimível, decretou o fim da ditadura.
Por esse ângulo, o Diretas-já não fracassou; antes, deu origem a um excepcional período de mobilização e participação.
Primeiro, foi a eleição de Tancredo Neves pelo colégio eleitoral. Não houve comícios visíveis, mas ninguém há de esquecer o fantástico investimento emocional de toda manhã, toda tarde, toda noite, em cada casa e em cada botequim, na expectativa do noticiário do dia.
Aguardava-se que a novidade maior já nas ruas –o fim da ditadura–, aparecesse sob sua forma político-institucional: a desagregação da Arena. Que afinal veio.
Depois, morte e ressurreição. A agonia de uma vida que se esgotava –a do presidente Tancredo Neves– operava ao mesmo tempo o milagre da recongregação da sociedade brasileira. Como é frequente, o período autoritário atomizou socialmente o país, esfarelou a solidariedade, exceto a defensiva, individualizou os projetos.
A agonia do presidente atraiu a expectativa de todos e de todos fez partícipes de um mesmo compromisso: seria impossível que do campo-santo de São João Del Rey germinasse outra coisa que não a democracia. E assim foi.
Vieram as eleições parlamentares de 86 e com elas a Assembléia Nacional Constituinte. Grupos de interesse, grupos de pressão, marchas, passeatas, petições, abaixo-assinados, comícios-relâmpagos, paralisações de advertência.
Tudo que ficara submerso e coagido até então apresentou-se. Era o Brasil que se transformara em silêncio e era outro. Número de sindicatos, urbanos e rurais incomparavelmente maior do que os que existiam até 1960.
Entre 1960 e 1988 criaram-se quase 50% de todos os sindicatos urbanos existentes no país desde o início da República. O valor correspondente para os sindicatos rurais é de 96%, isto é, a recuperação democrática revelava um novo ator -o sindicalismo rural.
Além disso, também surgiram as associações profissionais e as associações de interesse. E, sobretudo, havia um novo senso popular de civismo.
Não fosse o espantoso movimento de conversão cívica que fez com que, enquanto a população do país aumentasse em 183% de 1950 a 1990, o eleitorado crescia cerca de 700%, não fosse a expansão do público atento e o presidente infiel teria saído impune.
Não fora essa conversão cívica e o escândalo dos anões teria sido encoberto. Não fosse essa conversão e não se teria espalhado por todo o Brasil essa urgência de moralidade pública, essa demanda por decoro. O saldo de tantos escândalos e mobilizações consiste na diminuição das chances de que voltem a ocorrer em breve. E, na origem de tudo, o vitorioso Diretas-já!

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