São Paulo, domingo, 24 de abril de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Pope e o gosto neoclássico

PAULO HENRIQUES BRITTO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A poesia de Alexander Pope é a representante mais característica do espírito neoclássico inglês, encarnando à perfeição as virtudes valorizadas em seu tempo; a razão, equilibrio, decoro. Nos versos elegantes e espirituosos de obras como " Ensaio Sobre a Crítica e Ensaio Sobre o Homem", Pope explica melhor do que ninguém os lugares-comuns do gosto estético e da religiosidade deísta dos europeus instruídos de sua época.
Assim, era de se esperar que, com a mudança de sensibilidade ocorrida na virada do século, sua popularidade fosse prejudicada. Nada mais alheio ao espírito romântico do que as reflexões ponderadas deste poeta que traduziu Horácio para o idioma e a mentalidade dos britânicos setecentistas. Toda a paixão de Pope era reservada às contendas literárias e manifestada em poemas satíricos que, com o passar do tempo, tornaram-se compreensíveis apenas com o recurso às notas de rodapé.
E nos tempos em que vivemos, quando a mentalidade racionalista se vê na defensiva, parece difícil resgatar um autor tão comprometido com os ideais das luzes. É pena, pois Pope é um excelente poeta, ainda que sua excelência não seja do tipo que desperta com facilidade reações de entusiasmo passional.
O enredo não podia ser mais trivial: um jovem apaixonado corta a madeixa de uma donzela, e o incidente causa uma rixa entre as duas famílias. Mas o tratamento é rigorosamente épico, com todos os elementos do gênero, só que reduzidos às devidas proporções: ao invés de mobilizar deuses, o conflito envolve apenas entidades menores – silfos e gnomos; e a obrigatória cena de batalha é representada por uma partida de voltarete (leia o trecho ao lado).
Esta pequena jóia da literatura inglesa não podia deixar de estar incluída na antologia de Pope recém-lançada por Paulo Vizioli, em edição bilíngue. Além da íntegra da "Madeixa", o livro contém trechos dos principais poemas longos do autor e algumas peças mais curtas, bem como uma introdução informativa.
Na tradução, Vizioli substitui os decassílabos do original por alexandrinos, o que propociona o espaço adicional exigido pelos vocábulos mais longos do português e possibilita que ele se atenha mais à letra do original.
Os mais exigentes talvez julguem que (em parte como consequência desta opção do tradutor) o texto em português perde um pouco da leveza original, ou censurem algumas inversões sintáticas pouco graciosas. Pode-se até questionar uma ou outra escolha – por exemplo, traduzir como "Choque" o nome do cachorrinho da heroína da "Madeixa", quando se sabe que um dos sentidos de "shock" é "cão felpudo".
Mas quem já enfrentou a tarefa ingrata de traduzir um poema longo saberá dar valor ao trabalho de Vizioli e reconhecer que os êxitos são muito mais significativos do que os eventuais senões. Com esta nova antologia, Paulo Vizioli apresenta ao leitor brasileiro, com sua erudição e competência habituais, mais um grande nome da poesia inglesa que, salvo engano meu, até hoje não havia sido publicado em português.

Texto Anterior: Ensaístas promovem uma demolição de Nietzsche
Próximo Texto: POEMA
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.