São Paulo, domingo, 24 de abril de 1994
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Molécula do ano é chave para câncer

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Todo ano a revista "Science" elege a "Molécula do ano", que não é necessariamente uma molécula, mas algum evento científico de extraordinário valor.
A do ano passado foi a p53, a proteína codificada pelo gene p53, cujas mutações ocorrem em 50% dos 6,5 milhões de pessoas atacadas de câncer em todo o mundo.
A p53 desempenha vários papéis essenciais no organismo, em particular na regulação do ciclo celular e na proteção da célula contra o risco de canceirização.
Mas suas mutações, que são muito numerosas, podem causar efeito inverso e deletério, entre os quais o próprio câncer, hereditário ou espontâneo.
Em seu número de 24 de dezembro de 1993, "Science"dedicou à p53 editorial e três artigos.
Curioso é que em 1979, quando foi descoberta associada a vírus tumorigênicos que não causam todavia câncer humano, ela foi tratada como molécula banal não merecedora de especial atenção.
Hoje, reconhecida como elemento comum em muitos cânceres humanos quando sofre mutação, e como gene supressor (que previne a formação do tumor) em sua forma normal ou selvagem, ela se tornou objeto de várias pesquisas.
A quantidade dessas pesquisas pode ser avaliada pelo fato de que dobrou o volume de artigos a seu respeito a cada ano entre 1979 e 1993, quando o total atingiu mil.
Dada a elevada frequência da p53 em cânceres humanos, é natural esperar que de seu estudo resultem novas abordagens ao tratamento da moléstia.
O tratamento do câncer é bem diferente, por exemplo, do de uma infecção bacteriana. A bactéria e a célula tumoral têm suas vias metabólicas próprias. É preciso distingui-las quando elas passam a ser alvo de agentes terapêuticos.
Muitos tratamentos usados na infecção seriam nocivos no câncer justamente pela diferença dos sistemas metabólicos dos dois alvos. Muitos tratamentos contra o câncer põem em risco as células e os tecidos vizinhos, matando-os ou enfraquecendo-os.
A p53 pode ser útil no diagnóstico, no prognóstico e na terapia do câncer.
Ela ligou a biologia básica do ciclo celular (as fases do desenvolvimento da célula) ao processo cancerígeno e revelou o fenômeno natural da apoptose, ou morte programada, como reação às lesões do DNA (ácido desoxirribonucléico, matéria-prima que constitui o gene).
As mutações dessa proteína acarretam tumores em quase todos os órgãos, mas usa incidência maior é no intestino grosso (70%), vindo a seguir o pulmão (50%) e a mama (40%).
Não se conhece o exato mecanismo de ação da p53, mas é certo que ela breca o crescimento e a divisão da célula e lhe impõe, quando não consegue detê-los, a sequência da morte programada, que destrói a célula e previne a amplificação desordenada do DNA. Para alcançar esse objetivo, a p53 se liga especificamente a outros genes cuja expressão controla.
No ano passado esclareceu-se como a forma normal da p53 pode induzir a morte programada, uma espécie de suícidio celular, e como a forma mutante pode pertubar esse processo, que faz parte do desenvolvimento normal e também pode ser deflagrado por lesões do DNA (radiação, agentes quimioterápicos etc).
Após a lesão do DNA, o teor de p53 sobe extraodinariamente assim como sua atividade transcricional (mecanismo de elaboração da proteína a partir do código genético).
A diversidade de mutações de p53 abriu novos caminhos à medicina molecular, com inesperadas aplicações clínicas que estão sendo pesquisadas tanto pelas instituições acadêmicas quanto pelas industriais.
A geneterapia já está aproveitando as oportunidades oferecidas pelo p53. E assim vão aparecendo outras tentativas em que a molécula do ano de 1993 entra como novo e bem-vindo participante.
A título de curiosidade lembramos que a Molécula do ano de 1983 foi a conhecida reação de polimerase em cadeia, que permite amplificar mínimos fragmentos de DNZ e é hoje um dos meios de trabalho mais usados pelos biólogos moleculares.

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