São Paulo, domingo, 24 de abril de 1994
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O Estado e a má distribuição

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

O Estado e amá distribuição
Já perdi a conta. Acho que são 20 anos. Talvez mais. Uns 25. É o tempo que ouço dizer que o salário mínimo deveria ser de US$ 100. Ainda esta semana, vi um anúncio na TV dizendo que, em 1958, quando ganhamos a Copa, aquele salário chegou a quase US$ 200.
Sobre esse assunto, jamais encontrei uma pessoa defendendo um salário mínimo de menos de US$ 100. Só que na hora de se aprovar esse valor, amontoam-se as dificuldades: "O orçamento da Previdência estoura." "As prefeituras do interior não aguentam." "As pequenas empresas quebram."
Por mais verdadeiros que sejam esses motivos, a verdade está em outro lugar. Já se disse várias vezes –com acerto– que o Brasil é um país de baixos salários e altos encargos. Os números comprovam isso. Para tanto, convido o leitor a acompanhar o seguinte raciocínio.
Para um salário médio de US$ 600 –que é bastante comum entre os trabalhadores qualificados da indústria– a empresa paga, em média, US$ 720 a título de encargos sociais. Ou seja, o trabalhador custa US$ 1.320 para a empresa sendo que ele leva para casa uns US$ 480 pois também sofre seus descontos (Previdência, Imposto de Renda etc.).
É verdade que boa parte desses US$ 720 redunda em benefícios para o trabalhador (descanso remunerado, férias, 13º salário etc.). Mas cerca de US$ 200 daquele total vão para o governo na forma de Previdência Social, FGTS, acidentes do trabalho e salário-educação. Isso dá mais de três salários mínimos!
Além dos US$ 720, a empresa paga vários outros impostos sobre o faturamento, como é o caso do PIS, Cofins e contribuição social. Grosso modo, isso dá outros US$ 120, ou seja, mais dois salários mínimos.
Essa aritmética simples me leva a concluir que só nesses itens, para cada trabalhador empregado, a empresa recolhe quase seis salários mínimos para o governo. O Estado brasileiro é, sem dúvida, um incontrolável comilão, onerando a sociedade sem dó e sem piedade e se colocando, assim, como um sério complicador da má distribuição de renda que impera neste pobre país.
Mas, se o retorno de todos esses encargos fosse bom, tudo bem. Ocorre que ele é mínimo e precário –para dizer o menos. Todos sabem que, nos dias atuais, o Estado vem se negando a prestar a mais elementar assistência médica e uma aposentadoria condigna para quem precisa de ajuda e trabalhou a vida inteira.
Está na hora de refazermos as contas e partirmos para uma reformulação completa da nossa estrutura tributária. É isso que os parlamentares deveriam estar fazendo na revisão constitucional. Se nada mudar, os nossos congressistas terão de ser responsabilizados pela perpetuação da atual deterioração social. Na medida em que o Estado permanecer como um grande concentrador de rendas, não há o que discutir: o tal salário mínimo de US$ 100 continuará sendo, por muitas décadas, um mero sonho de uma noite de verão.

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