São Paulo, domingo, 24 de abril de 1994
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Cassino emergente

Desde o início dos anos 90, os países em desenvolvimento têm sido beneficiados por uma nova onda de entrada de capitais. Nos mercados internacionais, essa onda deu origem a uma denominação bastante estimulante: tais economias passaram a ser conhecidas como "mercados emergentes".
Em muitos casos houve razões para reencontrar o otimismo. Na América Latina, os ajustes feitos pelo Chile, México e Argentina mostraram que o populismo e o protecionismo podiam ser rompidos.
Liberalização comercial, privatização, ajuste fiscal e reformas monetárias bem-sucedidas, o fim do ciclo das ditaduras, acordos das dívidas externas, as evidências foram se acumulando. A região passou a incluir projetos importantes, da Iniciativa para as Américas ao Mercosul, passando pelo Nafta. Parecia iniciar-se uma nova era.
Outros pólos de desenvolvimento mostraram-se aquém das expectativas. Foi o caso especialmente do Leste Europeu e da ex-União Soviética. Introduzir capitalismo em economias dominadas pela burocracia e pelo atraso tecnológico mostrou-se um desafio maior –e mais caro– do que muitos imaginavam.
Completando o cenário, as taxas de juros nos Estados Unidos atingiram os níveis mais baixos dos últimos 30 anos. Os ganhos financeiros tornaram-se ali, como decorrência, pálidos se comparados às oportunidades oferecidas em mercados emergentes. Onde processos de privatização e alta dos juros eram partes de programas antiinflacionários, os retornos multiplicaram-se.
Nessa onda de otimismo, até o Brasil pegou carona, mesmo sem ter feito o seu ajuste fiscal, sem privatização significativa, sem queda na inflação, sem estabilidade política –mas com juros reais elevadíssimos e Bolsas dominadas por ações de importantes empresas estatais, potencialmente privatizáveis.
Até que, em fevereiro deste ano, o FED (banco central dos EUA) resolveu interromper a temporada de juros baixos. Em março e abril vieram novas puxadas nos juros. As Bolsas em todo o mundo caíram; as brasileiras foram especialmente afetadas pela mudança de humor dos investidores externos. Em 94 estão dando prejuízo, apesar dos ganhos espetaculares que chegaram a propiciar entre janeiro e março.
Há sérias dúvidas sobre os rumos que o mercado acionário brasileiro poderá tomar a partir de agora. Haverá decerto espaço para "correções técnicas", ou seja, para alguma alta motivada simplesmente pelo fato de que tamanhas perdas acabaram tornando os papéis baratos demais. Outra coisa é esperar um movimento de alta sustentada quando os juros externos ainda ameaçam e, internamente, há incertezas políticas e econômicas não desprezíveis.
Já se compararam as Bolsas a cassinos. Há entretanto uma diferença importante: o jogo nos cassinos depende apenas do vício, ao passo que o desenvolvimento dos mercados de capitais depende afinal da evolução das economias, da solidez real de seus fundamentos macroeconômicos e empresariais.
Dessa perspectiva, o Brasil é ainda um caso bastante promissor. As altas e baixas igualmente espetaculares nas Bolsas brasileiras revelam, entretanto, que o país corre o risco de ser ainda por bom tempo um ciclotímico cassino emergente.

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