São Paulo, terça-feira, 26 de abril de 1994
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Cultura anuncia novos rumos na programação

NELSON BLECHER
DA REPORTAGEM LOCAL

Ao participar de recente seminário de jornalismo promovido pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), Roberto Muylaert, presidente da TV Cultura, anunciou novos rumos para o telejornalismo da emissora.
Muylaert declarou-se incomodado com a excessiva pasteurização desse gênero de programa. "Hoje fazemos igual à Globo", disse.
Também não se mostra interessado em buscar um substituto para Marco Antonio Rocha, o ex-âncora da emissora.
A fórmula sugerida por Muylaert prevê um envolvimento mais amplo da equipe de jornalistas. Para tanto, a idéia é abolir o cargo de "pauteiro" (profissional responsável pela seleção diária de temas a serem reportados).
Depois de inovar a programação com séries excelentes, como "Anos Incríveis", além de produções locais premiadas na área infantil, estava mais do que na hora de a Cultura sacudir a poeira de seu telejornalismo.
Livre das amarras dos esquemas previsíveis da TV comercial, uma emissora pública, como Muylaert costuma classificar a Cultura, pode e deve trilhar um caminho original, capaz de conferir uma marca inconfundível ao seu jornalismo.
Mas isso dificilmente será conseguido com mudanças cosméticas, como transmitir o telejornal diretamente da Redação –uma experiência que fracassou na extinta Tupi–, ou entregar o microfone para redatores pouco habituados aos macetes da telinha.
Um projeto que poderia atualmente se consagrar, graças aos recursos visuais existentes, como revolução jornalística numa emissora educativa, adormece nos arquivos da própria Cultura.
Trata-se dos programas concebidos e executados pela equipe liderada pelo jornalista Fernando Pacheco Jordão, no início dos anos 70.
Para compensar a pobreza de recursos, redobravam-se os esforços na prática de um exaustivo didatismo. Era aquele tipo de telejornal à base de "conteúdos", que ambicionava dimensionar a floresta de notícias.
Seu segredo consistia em transformar fatos aparentemente isolados em temáticas, por meio de um trabalho de pesquisa metódico, que teve a colaboração de especialistas em diversas áreas.
Eram tempos de censura férrea. Apesar disso, graças à sua proposta analítica, o telejornal pôde abordar em linguagem acessível assuntos cifrados para a maioria dos telespectadores –como o processo de concentração de renda– e outros para a época delicados, como a deposição, a 11 de setembro de 1973, do presidente chileno Salvador Allende.
Antes de promover mudanças em sua linha editorial, seria conveniente à direção da Cultura olhar para o passado.
Não para copiá-lo literalmente, mas para inspirar-se nos dividendos positivos de uma experiência interessante e de vanguarda, abortada pelos acontecimentos traumáticos do período: a morte, sob tortura, do diretor de jornalismo, Vladimir Herzog, que havia sucedido Jordão.

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