São Paulo, terça-feira, 26 de abril de 1994
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Fim do apartheid

A eleição que começa hoje na África do Sul é um desses raros eventos que de fato merecem o rótulo de históricos. Cessa, com o pleito, a dominação da minoria branca sobre a maioria negra, que durou 342 anos e cristalizou-se em regras que institucionalizaram um odioso regime de segregação racial.
Só por isso já seria um fato mais do que relevante. Mas acresce notar que o fim definitivo do regime será o fruto de um longo processo de negociação, que durou quatro anos e foi marcado por uma verdadeira carnificina. De 90 a 94, mais de 13 mil pessoas (a maioria negros) morreram, vítimas da violência. Só dois dos oito atentados a bomba praticados entre domingo e ontem mataram 19 pessoas e feriram mais de 100 outras. "É o último suspiro do apartheid", como afirma anúncio da TV estatal sul-africana.
Um destaque adicional na marcante transformação do país é a previsível vitória eleitoral de Nelson Mandela, o maior símbolo da luta contra o apartheid. Por ela, Mandela passou na cadeia 27 anos dos seus 75. Ganha, assim, enorme carga simbólica o fato de que, quatro anos após deixar a prisão, deve chegar à Presidência da República.
Caráter histórico à parte, é cedo ainda para comemorar o desenlace do processo sul-africano. O apartheid deixou um formidável legado de desigualdades sociais. O principal aspecto, além da violência, é o desemprego maciço entre os negros. O desafio agora é mostrar que a democracia é capaz de assegurar-lhes não só o direito de votar como melhores condições de vida.
Esse desafio aproxima a questão sul-africana da brasileira. Não é por acaso que se cunhou aqui a expressão "apartheid social" para designar desigualdades sociais similares às ou ainda piores que as da África do Sul –país em que 14% da população controla 90% das terras e 90% do setor formal da economia.
A violência que ensanguenta a África do Sul é em grande medida decorrente da injustiça social. No Brasil, embora pareça não atingir ainda níveis semelhantes, a violência já é um problema gravíssimo. Lá como cá, atacar o apartheid, em todas as suas formas, é tarefa urgente e prioritária do regime democrático.

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