São Paulo, quarta-feira, 27 de abril de 1994
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A linha cruzada da Telerj

LUÍS NASSIF

O processo de contratação da lista telefônica pela Telerj definitivamente não é transparente. Meses atrás, o presidente da companhia, José de Castro, anunciou uma licitação no mínimo estranha: exigia 90 dias de prazo para a confecção da lista, impossível tendo em vista a desorganização do cadastro de assinantes da companhia.
A operação foi denunicada e, depois, cancelada. O que se seguiu depois é altamente suspeito –e seria conveniente que o presidente da República cobrasse explicações cabais de seu homem de confiança.
Na década de 80 ocorreu licitação para as listas telefônicas. Uma empresa –a Telelistas– foi especialmente constituída para a licitação, associada à norte-americana Ameritech. A licitação foi cancelada, após o aparecimento de algumas denúncias, e a Telelistas resolveu questioná-la na Justiça. Entrou na Justiça estadual e federal. Perdeu em primeira e segunda instância. Também perdeu o direito de contestar a nova licitação administrativamente.
Um dos processos foi parar no Superior Tribunal de Justiça. Nesse período, a Telelistas continuou existindo, como pessoa jurídica, exclusivamente para administrar a ação judicial –já que jamais editou uma lista telefônica sequer.
Embora emperrando o processo normal de licitação, aparentemente eram pequenas as probabilidades de a Telelista vencer a disputa judicial. A legislação brasileira é clara, ao outorgar à autoridade licitante o poder de suspender licitações. Vencendo, em todo caso, o máximo que poderia pleitear seria uma indenização por perdas e danos.
Acordo suspeito
Supreendentemente, José de Castro propôs um acordo em bases flagrantemente irregulares.
O acordo assinado entregou à Telelistas o direito de imprimir as listas telefônicas do Rio, sem licitação, mediante mera carta convite. Da época em que a empresa entrou na Justiça para cá, foram editados dois instrumentos jurídicos que proíbem terminantemente contratações acima de determinado valor, sem processo normal de licitação –a lei 2.300 de 1986, e a nova lei de licitações, a 8.666 de 1993. A segunda lei, assinada pelo próprio Itamar Franco, foi apresentada à Nação como instrumento fundamental para moralizar o processo de licitação pública.
Além disso, Castro acrescentou uma série de concessões inéditas à Telelistas, que não foram oferecidas em nenhum dos processos normais de licitação.
Nas licitações de listas telefônicas, um dos itens principais é o percentual da receita publicitária que o licitante oferece à companhia telefônica. Na última licitação, a Telelistas contestou por escrito o limite máximo de 19%, que constava do edital, argumentando que poderia oferecer percentuais maiores. José de Castro não apenas aceitou o percentual de 19% como definiu para o primeiro ano um percentual de apenas 7,5%.
Não ficou nisso. Em geral a administração do Fundo de Publicidade (que gerencia a receita publicitária bruta) é rateada entre a editora e a telefônica. Castro permitiu que a gerência fosse exclusiva da Telelistas.
Depois, concedeu um prazo de 150 dias, prorrogável por mais 90 dias, para a empresa imprimir as listas –enquanto que na última licitação, cancelada após denúncias, o prazo não passava de 90 dias.
Numa decisão inexplicável, fechou nos autos um acordo concedendo um prazo de 12 anos de exclusividade para a companhia –seis anos, mais a possibilidade de prorrogação por mais seis–, quando a lei permite prazo máximo de cinco anos.
O privilégio final foi na definição das regras de edição da lista por endereço. Em troca do lucro auferido na venda de publicidade nas listas amarelas, as editoras precisam oferecer, de graça, a lista por endereços. José de Castro autorizou que a Telelistas oferecesse a lista por bairro –Ipanema só recebe lista de Ipanema e assim por diante, reduzindo substancialmente sua contrapartida no negócio.
O valor total do contrato é de mais de US$ 1 bilhão.

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