São Paulo, quarta-feira, 27 de abril de 1994
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Confusão marca eleições sul-africanas sul-africana

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A JOHANNESBURGO

Confusão marca eleição sul-africana
Ataques terroristas param, mas dificuldades logísiticas e acusações complicam o primeiro dia de votação
Parece maldição: o primeiro dia da primeira eleição multirracial na África do Sul não teve bombas, mas se transformou em um pesadelo logístico.
E, também, em uma troca de acusações entre os dois tradicionais rivais negros, o partido zulu Inkatha e o CNA (Congresso Nacional Africano), dominado pelos xhosas.
Faltaram urnas, faltaram cédulas, faltou até a tinta indelével que marca os dedos dos eleitores para evitar que votem duas vezes.
Em KwaZulu (o território dos zulus, maior etnia negra, com cerca de 8,5 milhões de pessoas), militantes do Inkatha tomaram conta dos colégios eleitorais, diz o CNA.
Os zulus teriam substituído os funcionários da CEI (Comissão Eleitoral Independente, a Justiça eleitoral sul-africana).
Em outros locais de votação de KwaZulu, sempre segundo o CNA, foi a polícia zulu que ocupou posições dentro dos colégios eleitorais, para dizer aos eleitores em quem votar.
Segundo o chefe zulu, Mangosuthu Buthelezi, "tem cheiro de sabotagem" o fato de que incontáveis cédulas eleitorais não tinham o adesivo com o nome e símbolo do Inkatha e a sua foto.
Acrescentar o adesivo se tornou necessário porque o Inkatha só decidiu participar do pleito há exatamente uma semana.
Providenciar 80 milhões de adesivos (número de cédulas elaboradas para a eleição) e distribuí-los era de fato tarefa ciclópica.
Mas o Inkatha não se limitou a essa queixa.
Themba Khoza, seu representante em Soweto –o enorme subúrbio negro de Johannesburgo, feudo do CNA–, disse que os militantes deste partido cometeram as mesmas irregularidades de que o Inkatha é acusado de ter praticado em KwaZulu.
Khoza chegou a pedir a anulação da eleição. Buthelezi não foi tão longe: pediu apenas que a votação fosse estendida por mais três dias (até domingo, portanto).
Johann Kriegler, presidente da CEI, retrucou que o pedido era "ilógico" e garantiu que todos os 22,7 milhões de eleitores conseguirão votar até quinta-feira, quando termina a eleição.
Para Kriegler, }o quadro está longe de ser perfeito, mas está mais longe ainda de ser desastroso.
Votação
Ontem, votaram apenas idosos, doentes, grávidas e presos de baixa periculosidade, além dos sul-africanos que estão ou moram no exterior.
Hoje, primeiro dia de votação em massa, os problemas tendem naturalmente a aumentar.
Em contrapartida, o impressionante comparecimento dos idosos e enfermos, uma das causas das dificuldades logísticas, demonstra que o eleitorado não se deixou intimidar pelos atentados terroristas dos dois dias anteriores, que mataram 21 pessoas e feriram 162.
"O comparecimento de grande número de doentes e idosos indica claramente que nosso povo não se deixou intimidar", afirmou o CNA em nota oficial.
O mesmo documento chama os atentados de }covarde campanha de bombas conduzida pelos inimigos da democracia.
Na avaliação neutra e oficial da CEI, "houve tensão em certas áreas, mas nada que se aproximasse da violência", conforme afirmou Ben van der Ross, comissário do organismo eleitoral.
Ameaça
O risco de mais terrorismo continua presente.
Um grupo de extrema direita, o BBB (Movimento pela Liberdade Bôer, os descendentes dos colonizadores holandeses e franceses), assumiu a autoria do atentado no subúrbio de Germinston. Foram dez os mortos.
Em telefonema a um jornal africâner, o BBB diz que Germinston "parecerá um piquenique diante do que virá agora".
Por isso mesmo, as forças de segurança deslocaram para as ruas 100 mil homens, em esquema que a mídia descreve como a maior mobilização da história da África do Sul.
Nem as bombas de anteontem nem a confusão de ontem desanimaram os negros, que votam pela primeira vez.
"Agora posso morrer feliz, porque finalmente votei", festejava Nandi Mdululu, 92.
A festa continuou à noite. Ao primeiro minuto de hoje (19h01 de ontem em Brasília), foi hasteada a nova e multicolorida bandeira sul-africana, símbolo do mosaico de raças que habitam o país.

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