São Paulo, quinta-feira, 28 de abril de 1994
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Greenaway confronta natureza e cultura

BERNARDO CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O cineasta inglês Peter Greenaway, 52, vem das artes plásticas e tem pelo menos um mérito na vida: inventar o "filme-instalação".
"ZOO - Um Z e dois Zeros" (1986) representa uma etapa ainda não totalmente desenvolvida dessa estética maneirista –um cinema de cenas milimetricamente posadas e construídas– que iria culminar em "O Cozinheiro, o Ladrão, sua Mulher e o Amante" (1989).
Greenaway foi cenógrafo e sua idéia de cinema vem sendo elaborada a partir de uma concepção cenográfica da narrativa. Daí a insistência nos "tableaux vivants" (reprodução de quadros célebres com atores) e o privilégio dado a uma espécie de coreografia hierática de cena subjugando a narrativa.
Em "ZOO", por exemplo, pouco se entende e pouco há para entender dentro de uma perspectiva narrativa. Como substituto dessa falta, o cineasta costuma recorrer a uma cornucópia de citações e referências, que fornece aos "mais espertos" e cultos algum tipo de reconhecimento e sentido.
O procedimento foi suficiente para garantir a Greenaway uma cadeira cativa no panteão dos cineastas ditos pós-modernos. Mas a fórmula nem sempre é feliz.
Em "ZOO", o maneirismo ainda não parece ter encontrado a integração com o resto do filme como ocorre em "Afogando em Números" e "O Cozinheiro...". A fórmula das "cenas-instalações" surge como um ornamento para encobrir a nulidade narrativa.
Greenaway gostaria de ser um Lewis Carroll pós-moderno, mas seu "nonsense" (em "ZOO", pelo menos) não passa de um disfarce para a falta de sentido do filme –e não das coisas e do mundo.
O mais interessante de "ZOO" é uma clara obsessão que o cineasta já vinha tratando sub-repticiamente desde seus primeiros filmes e que será o tema do vídeo "M is for Man, Music, Mozart" (1991): o confronto dos instintos com a cultura, do sexo com as convenções, da natureza com o espírito, da barbárie com a civilização.
A história de "ZOO" é insensata na sua necessidade desesperada de criar algum sentido a partir do nada: dois irmãos zoólogos perdem suas mulheres num acidente e vivem uma relação amorosa com a mulher que dirigia o carro e perdeu uma perna no desastre (Andrea Ferreol).
Por trás desse simbolismo do vale-tudo, no entanto, Greenaway expõe uma fantasia estética que consiste em fazer as pulsões mais animais e selvagens se manifestarem sob a aparência de um artificialismo exacerbado (seja por uma espécie de enumeração lógica –por algarismos como em "Afogando em Números" ou seguindo a sequência do alfabeto, como em "ZOO"– seja pelo maneirismo cenográfico).
"ZOO" não é o momento mais bem-sucedido dessa estética na carreira do cineasta, mas serve como confirmação da vontade de atingir o mito a qualquer preço, dessa angústia de confrontar extremos opostos (da natureza e da cultura) na ilusão de recuperar, pelo choque entre os dois, uma dimensão mítica perdida.
Vídeo: "ZOO - Um Z e Dois Zeros"
Diretor: Peter Greenaway
Elenco: Andrea Ferreol, Eric Deacon e Brian Deacon
Distribuidora: Top Tape (tel. 011/257-6300)

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