São Paulo, sábado, 30 de abril de 1994
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Câmbio fixo e superávit fiscal

LUIZ GONZAGA DE MELLO BELLUZZO

Desde o momento em que foi anunciado, o real flutua no imaginário. Não há clareza quanto ao regime cambial, às regras de gestão monetária e aos fundamentos fiscais, fatores decisivos para a estabilidade da nova moeda.
A escolha entre um regime de câmbio fixo (talvez com conversibilidade definida para uma fração dos agregados monetários) e uma faixa de flutuação estreita para o câmbio, escorada numa tentativa de forte controle monetário, não é fácil, nem trivial.
A primeira alternativa é mais atraente a curto prazo. O nível de reservas, o desempenho da inflação em cruzeiros reais, a crescente adesão do setor privado ao movimento de fixação de preços e contratos em URV parecem criar as condições para um golpe mais duro contra a inflação.
É muito improvável, porém, que o sucesso inicial possa ser mantido sem a sustentação de um regime fiscal capaz de gerar excedentes primários ao longo de alguns anos.
Na ausência desta última e crucial condição teremos uma pseudo-estabilização: as mudanças abruptas na composição da riqueza das empresas e das famílias, as alterações na forma de utilização na renda corrente, a recuperação do crédito ao consumo tornarão inglórias quaisquer tentativas de controle.
Ainda haverá os que acreditam no poder de contenção de taxas de juros reais muito elevadas. As consequências negativas desta providência, tanto fiscais (aumento das despesas de juros do setor público) quanto monetárias (aceleração do ingresso de capitais externos de curto prazo) e cambiais (apreciação da moeda) contribuirão para agravar o clima de instabilidade ao invés de atenuá-lo.
Trata-se, à primeira vista, de um paradoxo: a queda rápida da inflação produz alterações no comportamento dos agentes econômicos que acabam por "regenerar" o clima de instabilidade.
Isto acontece sempre nas reformas monetárias que buscam encerrar um ciclo de convivência com a alta inflação e a indexação generalizada. A passagem para o novo padrão monetário será menos turbulenta quanto mais consistente for a situação fiscal.
A definição de âncoras nominais, sobretudo a utilização da taxa nominal de câmbio, tem sido um instrumento poderoso em experiências de estabilização recentes. No caso do Brasil, talvez sejamos obrigados a recorrer à fixação do câmbio. Mas não poderemos sustentar este regime cambial por muito tempo.
Sem a perspectiva de uma situação fiscal compatível, ou seja, a de geração de superávits durante um bom tempo, as antecipações de desvalorização e a consequente "volta" da inflação tornarão curta a vida da nova moeda.
As circunstâncias que acompanham os programas de estabilização do tipo FHC reservam, naturalmente, um papel mais modesto para a política monetária. Políticas monetárias ativas e eficazes supõem uma razoável diversificação da estrutura temporal da riqueza privada. E isto só ocorrerá na medida em que se consolidar a confiança na nova moeda.

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