São Paulo, domingo, 1 de maio de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

'Brasil não deve se fechar no Mercosul'

DA REPORTAGEM LOCAL

\</FD:"VINHETA-CHAPÉU"\>
'Brasil não deve se fechar no Mercosul'
O lugar do Brasil no mundo é o mundo todo. Essa opinião é do embaixador Rubens Ricupero, um dos maiores especialistas brasileiros em relações internacionais e atual ministro da Economia. Ricupero fez, para a Folha, uma avaliação a respeito da inserção internacional do país no futuro próximo, em entrevista exclusiva concedida no início de abril.
Para Ricupero, o país deve continuar com a política de manter vários parceiros comerciais e o Mercosul não deve representar o que os EUA representam para o México –isto é, um mercado que concentre praticamente todas as relações comerciais do país. A seguir, os principais trechos da entrevista.
COMÉRCIO EXTERIOR
O comércio exterior tem sido visto, neste últimos 40 ou 50 anos, como uma das melhores molas de crescimento.
Os países da Ásia, a começar pelo Japão e, depois, os "tigres" (países do sudeste europeu, com altas taxas de crescimento econômico), conseguiram o caminho do desenvolvimento sobretudo através do mercado externo.
Eles utilizaram a força da demanda externa como o elemento da acumulação do capital, que é a essência do desenvolvimento.
Não digo que esse seja o único caminho, mas é o melhor. É o melhor, porque os outros caminhos são muito mais complicados e exigem muito mais sacrifícios.
EXPORTAR IMPORTA?
O meu primeiro ponto pode parecer até uma obsessão. Acho que, sem estabilidade econômica, essa conversa não adianta. Isto não é um fim em si mesmo, mas é uma espécie de solo sobre o qual você vai construir outra coisa.
O comércio exterior só prospera, a médio e longo prazo, com estabilidade econômica, sob pena de, cedo ou tarde, ocorrer um estrangulamento do setor externo e uma crise cambial.
Convém abrir aqui um parêntese. No Brasil há um certo orgulho ingênuo sobre o fato de produzirmos saldos comerciais. Na verdade, do ponto de vista econômico, para um país em desenvolvimento é até melhor que não haja saldo.
Um país em desenvolvimento, em crescimento e que tem escassez de capital, tem que importar, principalmente bens de capital (máquinas e equipamentos). Normalmente, portanto, deve ter até um desequilíbrio na balança comercial.
Que o Brasil tenha esse dinamismo de exportações, que outros países não têm, no fundo é apenas uma etapa provisória. Em algum momento, quando o Brasil começar a crescer aceleradamente, o saldo tem que baixar.
MEGAPAÍSES E BLOCOS
A primeira premissa em qualquer idéia de inserção é a de que o Brasil não é um país que tenha um caminho muito fácil quer em termos de globalização quer em termos de esquemas regionais.
Os países continentais têm uma realidade própria. Países que tenham ao mesmo tempo um enorme território e uma grande população, um população de pelo menos 150 milhões, são cinco: Estados Unidos, Rússia, China, Índia e Brasil.
Eles são uma categoria à parte. O que eles têm de característica básica é um grande mercado interno. Normalmente não têm uma grande vocação de regionalização nem ou de globalização.
A globalização é um sistema de produção em que em vez de você produzir um automóvel totalmente em um dados país, você distribui os componentes de produção por 12, 13, 14 locações geográficas, de acordo com a lógica de custo.
Isso, evidentemente, funciona muito bem para um país como os Estados Unidos, porque eles é que dominam a cadeia de produção. Agora, para países muito grandes, a tradição é que o mercado interno seja muito forte e o grau de globalização em geral é menor do que nos outros países.
Por outro lado, todos esse países continentais têm uma certa dificuldade em se integrarem em esquemas regionais. Você veja que na União Européia ninguém cogita da Rússia, certo?
Os europeus vão até à fronteira da Rússia, mas da Russia mesmo ninguém cogita. A China vai se integrar com quem? A disparidade de forças é tão grande que os outros acabariam absorvidos. A Índia vai se integrar com os vizinhos?
Então eu acho que é preciso levar em conta que o Brasil tem uma perspectiva diferente. Não é que nós, numa certa medida, não precisamos nos regionalizar como temos feito na América Latina, no Mercosul, ou não precisemos aproveitar, na medida do que for possível, a globalização.
MULTILATERALISMO
Tudo isso é verdade, mas eu acho que o fato de o Brasil ser um país continental dá uma perspectiva um pouco diferente. Eu vou dar um exemplo muito concreto. Para o México e para o Canadá a integração com os Estados Unidos faz todo sentido, não só do ponto de vista político, mas do ponto de vista da lógica econômica.
Eles são contíguos geograficamente aos Estados Unidos, são menores do que os Estados Unidos e têm uma economia já integrada com a americana. Oitenta por cento do comércio externo deles já é com os Estados Unidos, isso mesmo antes do Nafta.
Se você imaginasse uma situação catastrófica, em que acabasse o sistema multilateral de comércio, a saída deles normal é o mercado americano e eles sobrevivem. Nós não, porque o mercado americano para nós representa 20%. O Brasil não tem com país algum uma concentração muito grande seja de exportações, seja de fornecedor. A Europa unida, todos os europeus juntos, dá 30% ou 31% de nosso comércio. A América Latina agora está dando cerca de 18% ou 19% e, Japão e a Ásia, 17%.
É um país que tem um comércio exterior muito bem distribuído. Isso, normalmente, é uma vantagem, porque protege de oscilações. Quando você tem recessão no mercado americano, você compensa em outro lugar. Mas, em matéria de regionalização, é uma desvantagem.
O primeiro requisito de quem se candidata a um esquema regional é ter uma porcentagem alta do seu comércio exterior concentrado com aquele parceiro, porque todo esquema regional significa que você vai renunciar um pouco aos outros parceiros.
EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS
O Brasil tem uma pauta de exportação muito diversificada. Temos cerca de 200 itens que têm uma participação relativamente significativa na pauta, enquanto países como a Argentina, por exemplo, exportam relativamente poucos itens e muito concentrados num tipo do comércio como o de produtos agrícolas. A diversidade da oferta dá também a diversidade de mercado normalmente.
Já um país que só exporta milho, soja ou carne, acaba condicionado porque não pode vender à Austrália, não pode vender à Nova Zelândia, não pode vender aos Estados Unidos, porque estes são todos grandes produtores.
MERCOSUL
A primeira opção do Brasil é o multilateralismo, não resta dúvida. Para nós a melhor solução possível é o crescimento do comércio mundial, porque o Brasil ganha se você tiver uma grande liberalização. Nesse particular, meu trabalho mais recente avalia o crescimento do comércio mundial.
A conclusão é mais ou menos óbvia: vão ganhar mais os países que estão mais preparados para competir, ou seja, basicamente os países asiáticos.
Porque qualquer esquema comercial, seja de natureza global, seja regional, como o Mercosul –e eu gosto do Mercosul, acho que o Mercosul tem provado que é um excelente componente dessa nossa diversificação–, para nós não pode ser uma alternativa ao comércio multilateral.
O Mercosul não pode desempenhar para nós aquilo que os Estado Unidos desempenham para o México. O Mercosul não pode desempenhar para nós aquilo que os Estados Unidos desempenham para o México. O Mercosul é importante, mas ele nunca terá essa função, mesmo porque a dimensão desses mercados, mesmo somados, mesmo com prosperidade, nunca vai chegar a igualar o que nós poderíamos ter nos outros mercados.

Texto Anterior: País deve negociar com todos os blocos
Próximo Texto: Lula busca relação com as "baleias" asiáticas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.