São Paulo, domingo, 1 de maio de 1994
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Dificuldade da revisão exclusiva é desafio a enfrentar

WALTER CENEVIVA

A Constituição de 1988 foi escrita com o olhar no espelho retrovisor, escreveu José Genoino, nesta Folha. Já havia sido assim, há um quarto de século, em Portugal, quando ruiu o que subsistia do salazarismo.
Era preciso criar impedimentos tão fortes, que não houvesse risco de voltarem ditaduras e governos de força.
Logo revolucionários e não revolucionários portugueses perceberam que impedir erros passados era insuficiente. Um poderoso farol de verdades novas deveria iluminar o futuro. E, assim, cumpriram etapas de uma revisão que, transposta para o campo da eletrônica, se diria equalizadora, eliminadora de distorções ou deformações.
O Brasil constituinte de 88 pressentiu a necessidade do mesmo tipo de reajuste e determinou, no ato das disposições constitucionais transitórias, prazos e espécies revisionais admitidas. Começaria cinco anos depois. De 88 a 93, sem prazo para terminar.
O Congresso resolveu impor-se um limite. Pré-determinou o final do processo revisional, em medida interessante, ante a liberdade de modificação constitucional permitida mas restrita, capaz de quebrar a estabilidade jurídica que decorre da Carta Magna, com quorum favorecido de maioria absoluta e não de três quintos.
Acontece, porém, que a solução lusa não serviu, no Brasil. Ou os portugueses foram mais sábios do que nós –o que acontece com frequência– ou as nossas condições político-sociais não permitiram.
Os ventos de 88 reverteram o processo centralizador, que marcou a vida brasileira desde 1930. Progressivamente, desde a derrubada de Washington Luiz, por Getúlio Vargas, em 30, a tendência foi a da centralização do poder nas mãos do governo da República. Diminuiu, constante e ininterruptamente, a força dos Estados e dos municípios. A contar de 64, a chamada tecnocracia, encastelada no poder, exasperou a centralização. Tudo dependeu dos "gênios do Planalto Central.
A Carta hoje vigente afirmou a autonomia dos Estados. Atribui-lhes maior soma de recursos. Aumentou a força interventiva do Poder Legislativo. Diminuiu a possibilidade do controle político pela presidência da República, que não chegou a perder a chave do cofre, mas viu reduzida a capacidade de controlar os dinheiros públicos.
A extensão dos litígios decorrentes dessas mudanças tornou impossível, no Congresso, a composição equilibrada dos interesses contrários. No imponderável da história apareceu outro fator: o Congresso mostrou chagas da imoralidade e corrupção, de alienação quanto aos melhores interesses da nação, que lhe tiraram legitimidade para mudar o primeiro estatuto legal do país. Foi grande o temor de que interesses espúrios dominassem o processo, que, assim, terminou boicotado.
Fui contra a revisão, pois a vinculei aos limites da forma e do sistema de governo, conforme sustentei mais de uma vez, nesta Folha, no que, aliás, se evidenciou o pluralismo que a caracteriza. Enquanto eu escrevia contra, com liberdade irrestrita, os editoriais opinavam a favor da revisão.
O editorial de primeira página na última quinta-feira propondo a constituinte exclusiva nos põe de acordo. Assinala, com clareza luminosa, as muitas dificuldades que se pode esperar da nova revisão proposta. Todavia, compreende a necessidade de viabilizar o reequilíbrio da governabilidade do Estado brasileiro e a defende com coragem e determinação. Estamos juntos.

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