São Paulo, domingo, 1 de maio de 1994
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O Expresso da Meia-Noite

MOACYR SCLIAR

Um dia, uma amiga fala-lhe sobre um filme que acabou de rever, "O Expresso da Meia Noite". Um filme terrível: narra os sofrimentos de um jovem americano, detido por posse de droga, numa prisão da Turquia. Fascinada, ela ouve a amiga alongar-se nos sombrios detalhes desse calvário: porque é um verdadeiro inferno, a prisão, é uma coisa indescritível. E quando a outra se vai sabe que, de alguma forma, seu destino está traçado.
Meses depois, um homem procura-a. Tem um negócio a propor: quer que ela seja a portadora de uma valiosa encomenda que tem de ser entregue no exterior. Onde, ela pergunta, e o homem, depois de hesitar:
- Na Turquia.
Ela aceita: sabe que, de alguma forma, seu destino está traçado. Quando pergunta o que é a encomenda, nem está muito interessada na resposta: sabe que o homem, de qualquer jeito vai mentir. Jóias, ele diz, e ela dá-se por satisfeita: jóias é uma boa resposta. Tão boa quanto qualquer outra, para quem tem, de alguma forma, o destino traçado.
Chega ao aeroporto de Istambul, retira a bagagem, aguarda a vistoria. Há um policial particularmente diligente na revista; ela sabe que este será o que se dirigirá a ela. É parte de seu destino, esse homem de olhar feroz, parte de um destino que, de alguma forma, já está traçado.
O policial despacha um passageiro, olha ao redor. Aparentemente está satisfeito, talvez seja até a hora de seu descanso. Mas então avista-a e os olhares se cruzam; e depois de uma breve vacilação ele vem na direção dela. Homem experiente, ele não tarda a encontrar o pacote. Pergunta o que contém, e como ela não responde, abre-o. Ali está, o pó branco. O policial prova -apenas por desencargo de consciência- uma pitada e sorri: nunca fez uma prisão tão fácil.
Quanto a ela, não se incomoda. Desde que ouviu a história do "Expresso da Meia-Noite", sabe que seu destino está, de alguma forma, traçado. Apressa-se a acompanhar o policial. Não quer perder o trem que a aguarda.

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