São Paulo, domingo, 1 de maio de 1994
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Artista casa e volta para a mãe 2 vezes

DA REPORTAGEM LOCAL

Aos 42 anos, o citarista Alberto Marsicano só vê um grande problema em morar na mesma casa que sua mãe: "Não posso tocar cítara à noite", diz.
Ainda assim, o músico está bastante satisfeito. "Tenho uma ótima relação com a minha mãe."
O segredo de Marsicano é passar longas temporadas na Índia, aprofundando os seus conhecimentos musicais. "Se eu ficasse o tempo todo aqui seria mais difícil."
A mãe do músico, Sonia, 63, não vê motivos para mudar essa situação. "Toda mãe gosta de ter o filho em casa. O meu segredo é não dar palpites na vida dele."
"Transar no sofá"
Aos 33 anos, o artista gráfico Roberto Emílio Nejme dá a sua receita: "O fundamental é respeitar os pais. Não transar no sofá, por exemplo, ajuda", diz.
Nejme já saiu de casa duas vezes, durante dois casamentos, e só pensa em sair novamente se voltar a casar. "Me dou muito bem com eles, tenho mordomia, roupa lavada e liberdade."
Como outros trintões que usufruem da casa dos pais, Nejme contribui com algumas despesas do lar.
"Timing biológico"
A estilista Silvia Lucchi voltou a morar com seus pais há um ano depois de 12 anos fora de casa. Aos 34 anos, ela enfrenta a situação com algum embaraço. "Me dou superbem com eles, mas voltar a morar junto é complicado".
Silvia explica o seu segredo: "Só tem uma regra básica: muito bom humor. Quando falta, dá confusão", diz.
Isso ocorre de manhã: "Eu gosto de acordar, levantar e passar duas horas sem falar nada. Meu pai gosta de acordar cantando. À noite, quando estou animada, ele está cansado. Nosso timing biológico é diferente".
Criadora de chapéus e bolsas, Silvia se mudou para a casa dos pais junto com seu ateliê. "Onde eu vou, ele vai atrás".
Mas os pais parecem não se incomodar: "Acho que eles estavam com uma vontade grande de me ter mais perto", diz.
Infantilização
Aos 33 anos, Sylvio Roque de Guimarães Horta está concluindo o mestrado em filosofia da educação na USP e pensa, num futuro próximo, em deixar a casa dos pais.
O estudante tem uma teoria a respeito das pessoas que, na sua idade, ainda vivem com os pais: "Sem querer, você fica um pouco infantilizado, mimado. Não pelos pais, mas pela própria situação, que é um pouco irreal."
Sylvio aprecia as mordomias e a liberdade que têm em casa. "Tenho um espaço totalmente íntimo. Posso levar a namorada para casa. Mas sou uma pessoa relativamente comportada", diz.
Como o personagem Geraldão, do cartunista Glauco, o estudante convive com um dilema: "Não que os meus pais gostem que eu more com eles. Mas, aparentemente, não desgostam. Tenho colegas que já levaram indiretas dos pais."
Apartamento vazio
O dilema de Sylvio atinge outros trintões. O advogado Clayton Bichara tem um amigo, também na faixa dos 30, que alugou um apartamento, mobiliou-o, pagou o aluguel por um ano, mas jamais se mudou da casa dos pais.
O próprio Clayton anuncia o plano de alugar um apartamento no centro, perto de onde trabalha, para facilitar a sua vida.
Mas sempre que se lembra de sua mãe levando café-da-manhã na cama, Clayton desanima da idéia. "Tenho serviço de hotel mesmo", diz o advogado.

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