São Paulo, domingo, 1 de maio de 1994
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Perrot torna visível história das mulheres

SHEILA SCHVARZAN
ESPECIAL PARA A FOLHA

Michelle Perrot dedicou sua obra aos atores "invisíveis" da história: os operários, os transgressores da lei e as mulheres. Nesta entrevista, aborda estas questões, acentuando a necessidade atual das mulheres participarem da política, terreno ainda essencialmente masculino.
Unindo o tema da exclusão feminina e o da participação política, Perrot vai falar no colóquio "Sentimento(s) e Identidade(s): os Paradoxos do Político" sobre Gerges Sand (pseudônimo da escritora francesa Amandine-Lucie-Aurore Dupin, 1804-1876), que contrária às normas do seu tempo, e como mulher atua politicamente.
Mas se o foco é identidade, se sobressai também a própria identidade de Perrot, da mulher historiadora num meio essencialmente masculino. "Na França", diz ela, "a história é uma atividade muito prestigiada, e portanto muito masculina". (Sheila Schvarzan)

Folha - A participação e os textos políticos da escritora Georges Sand, são o tema de sua conferência no colóquio. Por que estudá-la hoje?
Michelle Perrot - O que me interessa é o seu lado político. Preparo a edição dos seus escritos políticos. Há hoje na França uma feliz redescoberta de George Sand. Podemos tomá-la como uma mulher de cruzamentos.
Ela conheceu todo o mundo intelectual e progressista do século 19, de Balzac a Flaubert, de Chopin a Musset, os socialistas. Ela deixou uma correspondência extraordinária de 25 mil cartas que vão de 1830 até 1876, ano da sua morte, e que constitui um testemunho impressionante e apaixonado da vida intelectual, literária, política da França, e também pessoal.
São muito poucas as mulheres que tiveram um papel político no século 19, e é interessante examinar como uma mulher podia agir no terreno político, num momento em que sequer tinham o direito de votar.
Georges Sand tinha uma concepção moral da política: lutar pela justiça social. Dizia: "A república é um meio, o socialismo um objetivo e solução do problema social". Estudá-la permite juntar duas coisas que me interessam muito: as mulheres e a política.
Folha - As mulheres que estão ou estiveram no poder –Thatcher, Simone Weil, Indira Gandhi, Benazir Butho– alteram alguma coisa com a sua presença, ou apenas atestaram sua atração pelas formas masculinas de mando?
Perrot - Não há uma resposta única a esta questão. Thatcher, por exemplo, não só toma os métodos masculinos, mas ela os enriquece.
Ele quer a si mesma mais homem do que os homens: a dama de ferro. Ela acha que os homens ingleses do seu tempo são efeminados, não são suficientemente autoritários. Será que isso é uma forma feminina de fazer política?
Indira Gandhi e Butho são completamente diferentes. Elas tiveram acesso ao poder através dos homens, por laços familiares. No poder, mudaram pouco, pois as pressões e dificuldades são grandes.
Para que as mulheres possam mudar algo na política não podem ser excepcionais ou estar sós, é necessário que sejam muitas. Na França que é um país democrático há apenas 5% de mulheres deputadas. É ínfimo. A tarefa do século 21 será provavelmente a conquista verdadeira do poder político pelas mulheres.
Folha - Mas as mulheres querem isso?
Perrot - Hoje estão presas no círculo trabalho-família sem tempo para frequentar partidos políticos. Apesar disso, a partir da última década na França, Itália e Espanha há mais mulheres na política do que antes.
Na França há duas ministras. Há uma nova geração de mulheres entre 40 e 50 anos que luta pela paridade de homens e mulheres na câmara de deputados pois os partidos políticos não fazem muito empenho em ter mulheres candidatas. É um espaço que os homens procuram preservar.
Folha - Falando sobre os grupos extremistas na Europa de hoje, Pierre Ansart afirmou (leia entrevista ao lado) que não acredita muito em sua duração e expansão pois não há neles a adesão de mulheres. Como a senhora vê isso?
Perrot - Um dos sinais de modernidade da sociedade ocidental hoje é justamente a participação das mulheres, o seu engajamento cada vez maior na vida pública.
Se as mulheres não participam muito dos movimentos de extrema-direita isso mostra como eles são arcaicos, machistas e de ressurgimento do fascismo.
As mulheres têm hoje um papel importante de moderação, elas não vão para extremos nem à direita nem à esquerda. Esta reflexão de Ansart nos dá esperanças porque mostra que os feminismos são mais ligados à democracia.
O movimento das mulheres, sua presença maior nos assuntos públicos, no trabalho, são um signo de modernidade e ao mesmo tempo signo de democracia.
Por outro lado é necessário estar atento. Os movimentos de extrema-direita, conscientes da marginalização das mulheres na política, tem procurado seduzi-las oferecendo lugares importantes em suas organizações.
Folha - A sua obra é marcada pela preocupação de dar voz e identidade aos atores "invisíveis" da história como os operários, as mulheres e os transgressores da lei. Como se desenvolveram estas idéias?
Perrot - Meu interesse pelos excluídos é ideológico e político. No início de minha vida tive uma formação católica, eu era muito convicta e muito preocupada com os problemas da pobreza.
Quando cheguei à universidade nos anos 50, era a questão operária que se colocava assim como o ideal comunista, e eu estava muito interessada por tudo isso.
No fundo eu fiz uma mutação que fizeram muitos intelectuais da minha geração: do pobre para o mundo operário. Eu deixei o mundo da pobreza arcaica que a fé cristã me apresentava na minha educação de moça burguesa para me dar conta de que os verdadeiros excluídos da sociedade francesa em 1950-60 eram os operários.
Folha - Esse interesse pelos trabalhadores pode tê-la conduzido a escrever uma história militante?
Perrot - Pode-se dizer que a origem é militante, o desejo de dar a palavra àqueles que não a tem, mas os procedimentos de trabalho, ao contrário, procuram ser muito rigorosos e científicos.
Por nada deste mundo faria uma história hagiográfica, de elogio à classe operária. Desse ponto de vista, desde esta época eu era muito hostil à história operária feita, por exemplo, pelo partido comunista que fazia uma história onde a classe operária tinha sempre razão, onde os burgueses eram sempre ruins.
Queria fazer uma história da classe operária que fosse ao mesmo tempo uma história científica, como se concebia naquela época nos Annales ou na Sorbonne onde, para ser sólido era necessário quantificar.
Folha - Em meio a preocupações com a exclusão, por que incluir também as mulheres?
Perrot - Foi muito simples, foi o movimento feminista. É necessário não esquecer também que houve maio de 68 e eu participei bastante, mesmo como professora.
As estudantes estavam muito chocadas vendo que as mulheres eram sempre secundárias no que acontecia. Como se dizia na época, os rapazes pediam a elas que trouxessem o café.
No início dos anos 70, entrei para uma nova universidade, Paris 7ª, criada justamente a partir das críticas de maio de 68. É neste momento também que surge o MLF (Movimento de Liberação da Mulher). Com minhas colegas, decidimos em 1973 propor cursos sobre a história das mulheres.
Fomos tomadas por um movimento que nos concernia diretamente. Num certo sentido trabalhar sobre as mulheres era trablhar sobre mim mesma, reencontrar meus próprios problemas.
Folha - Há uma forma feminina de fazer e de escrever a história?
Perrot - Sim e não. Sim, na medida em que a questão da mulher e da relação entre os sexos –que é mais importante ainda– foi colocada pelas mulheres. Os homens são todo mundo.
Pelas interrogações, pelo assunto, há uma interrogação e um ponto de vista feminino de abordar a história. Mas de outro lado não, porque o método, a forma de trabalhar de procurar as fontes, de escrever, não se diferencia do que eu fazia antes.
Eu apliquei à história das mulheres as práticas e o método que utilizei na história operária. Deste ponto de vista não posso dizer que me tenha dado um novo método. Senti com as mulheres a dificuldade do "invisível", da invisibilidade na história.
Por que é certo, os operários são invisíveis na história, mas menos do que as mulheres porque os operários tem um movimento operário desde o século 19, fazem greves, estão nas fábricas, criam sindicatos, enquanto as mulheres tem muito pouco disso. Como dizia o socialista Fourier, elas são "o proletário dos proletários".

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