São Paulo, domingo, 1 de maio de 1994
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Israel e OLP precisam resistir aos fanáticos

AMOS OZ
ESPECIAL PARA FOLHA

Os massacres cometidos por terroristas do Hamas em ônibus israelenses de passageiros em Afula e Hadera se enquadram numa estratégia que há muito tempo vem sendo posta em ação pelo islamismo fanático e pela facção assassina do nacionalismo palestino.
São estes os mesmos palestinos que sempre tentaram apagar qualquer possibilidade de reconciliação com a própria existência de Israel. São os mesmos extremistas palestinos que jamais desistiram de sua visão criminosa de exterminar Israel. São os mesmos extremistas cujo fanatismo, desde 1948, vem infligindo aos palestinos uma sucessão de calamidades e derrotas.
Estes são os mesmos extremistas palestinos que conseguiram prender nossos dois povos no mesmo trágico emaranhado que agora estamos tentando desfazer através de um acordo histórico.
Hebron, Afula, Hadera
Só um tolo que compra a propaganda do Hamas poderia suspeitar que se não fosse por Baruch Goldstein, o Hamas não estaria agora nos tratando à base de facas e carros-bombas.
O fato é que o massacre de palestinos em Hebron e também os massacres de israelenses em Afula e Hadera foram obra de fanáticos movidos pelo ódio, devastados pelos augúrios de paz, fanáticos cujos atos foram, na realidade, uma desesperada tentativa de último momento de desencadear um ciclo de vingança para assassinar esta paz que se avizinha.
O objetivo do assassino-suicida judeu em Hebron não foi diferente daquele dos assassinos-suicidas árabes em Afula e Hadera: reabastecer e fortalecer a dor e a raiva de ambos os lados, visando extinguir a esperança que emergiu em Oslo.
Há dezenas de anos os israelenses e palestinos vêm se combatendo porque, repetidas vezes, os palestinos frustravam nossa esperança de vivermos em paz e segurança dentro de nosso próprio país, enquanto nós mesmos frustrávamos a esperança dos palestinos de viverem como povo livre em sua própria terra.
Em setembro passado, em Oslo, israelenses e palestinos ofereceram uns aos outros uma possibilidade inicial, hesitante, de esperança. Foi dada a nós a esperança de vivermos sem precisarmos sofrer a violência deles, e a eles a esperança de liberdade.
É esta troca de esperanças que faz ferver o sangue de todos os tipos de assassinos e incitadores, tanto do nosso lado quanto do deles. Os incitadores aproveitam cada crime ao máximo para soprar as chamas do ódio e da vingança.
Esta tática é tão velha quanto o tempo –fanáticos de todas as partes utilizam mortes e perdas para tentar empurrar seus povos de volta ao poço da desesperança, onde nada existe senão o matar ou morrer. Esses fanáticos estão tentando prender todos nós em seu ciclo infinito e tenebroso de vingança.
Amã
Deveria Israel ceder à ruidosa pressão de seus próprios extremistas e suspender o labor da paz com a OLP? Ou deveria, em lugar disso, tolerar o assassinato diário de seus cidadãos, enterrar seus mortos e prosseguir com o processo de paz, como se a vida devesse simplesmente continuar?
Na verdade esta não é uma pergunta do tipo "ou isso ou aquilo". Este é o momento para Israel intensificar sua batalha contra o Hamas e os de sua laia, momento de prender e processar todos aqueles que incitam ao derramamento de sangue, de tentar prender todos os árabes e judeus que ousarem ameaçar a paz por meios violentos.
No dia do massacre em Afula e de novo, no dia do massacre em Hadera, líderes do Hamas convocaram uma entrevista coletiva e aberta de imprensa em Amã, na qual se gabaram arrogantemente das mortes, afirmando sua intenção de prosseguirem e até mesmo intensificarem seus massacres indiscriminados de civis israelenses.
Em lugar de render-se às exigências feitas pela oposição de suspensão dos contatos com a OLP, o governo israelense deveria agora assumir uma posição dura em relação à Jordânia.
O rei Hussein precisa optar entre dar abrigo ao Hamas e abrigar a paz com Israel. A Jordânia, quando dá patrocínio ao Hamas, está apunhalando tanto Israel quanto a OLP pelas costas. Assim, não é apenas Israel mas os governos de todos os países que se opõem ao terrorismo que devem fazer a Jordânia optar entre fazer parte da família das nações ou assumir seu lugar na lista negra internacional de países que apóiam o terror.
No caso do rei Hussein recusar-se a suprimir as atividades do Hamas lançadas contra Israel desde a Jordânia, Israel não terá outra opção senão suspender o processo de paz com a Jordânia. Com a Jordânia –não com a OLP.
Mesmo agora que nós israelenses passamos por um período manchado por crimes de terror, mesmo nestes momentos de dor e de fúria, não devemos nos esquecer: enquanto a OLP é uma inimiga acirrada que hoje procura chegar a um acordo conosco, o Hamas é um tipo diferente de inimigo acirrado, comprometido com o extermínio da OLP, de qualquer acordo de paz e de Israel.
Primeira ponte
Se, neste momento específico, israelenses e palestinos cederem e se deixarem dominar pelo espírito da vingança e do fanatismo, então uma longa noite de desespero irá descer sobre todos nós.
Se o governo israelense ceder às pressões da direita, suspendendo o processo de paz com a OLP até o cessamento de todas as formas de terror, não apenas o terrorismo não irá cessar –ele irá crescer, porque a desesperança ganhará terreno. Ademais, se Israel deixar de tratar com a OLP, um grande triunfo histórico terá sido conquistado pelo Irã e seu protegido, o Hamas.
Se o ciclo de massacres pudesse levar ao cancelamento das negociações, então nem nós nem a OLP estaríamos no controle; o Irã estaria no controle, o Hamas estaria no controle, os Baruchs Goldsteins estariam no controle. E eles não devem exercer qualquer domínio.
Israel não possui qualquer meio de pôr à prova a sinceridade do compromisso da OLP em reprimir a violência nos territórios a não ser que seja dada aos palestinos a chance de fazê-lo, a não ser que a organização tenha o direito de entrar nos territórios com força suficiente para fazê-lo.
Pedir que a OLP reprima a violência nos territórios antes que ela esteja realmente presente neles é como segurar o adversário preso ao chão pelos ombros, até que ele possa apresentar provas irrefutáveis de que é capaz de ficar em pé.
O golpe mais duro e doloroso que podemos infligir ao Hamas e os de sua laia, aos Goldsteins e os de sua laia, seria acelerar, concluir e executar prontamente o primeiro pacote de paz jamais feito entre israelenses e palestinos.
Estes dias repletos de terror são o momento adequado para se intensificar as negociações entre Israel e OLP, para se manter a firmeza em relação ao que é essencial, para se adotar uma posição generosa e aberta à negociação em relação ao que não é essencial, até que sejam resolvidas essas últimas questões ainda pendentes.
Parece realmente que o acordo está muito próximo. Os fanáticos, os lunáticos, os assassinos sentem muito bem a primeira lufada de paz. E é exatamente por isso que estão intensificando sua histérica incitação e seus crimes sangrentos –como tentativa selvagem de explodir a ponte quase concluída.
A inauguração desta ponte será um grande triunfo israelo-palestino: nosso primeiro triunfo sobre 80 anos de ódio e desespero.

Tradução de Clara Allain

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