São Paulo, domingo, 1 de maio de 1994
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Macarthismo moral

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Não faz muito tempo, a mídia fez papel deplorável na campanha contra o sr. Alceni Guerra, acusando-o de várias mumunhas no Ministério da Saúde. Foi, em certo sentido, o ensaio geral para o escândalo que resultou no impeachment de Collor. Os tribunais que examinaram as denúncias contra Alceni o absolveram integral e absolutamente. Ele foi vítima de uma armação muito comum na seara política.
Outro dia, no escritório de um dos advogados mais importantes do Rio, numa reunião com editores dos principais jornais e revistas do país, entre outras coisas fomos informados de que, sob o aspecto legal, o ex-presidente Collor nada terá a temer. Será absolvido plena e integralmente.
O mesmo poderia ser dito a respeito de PC Farias. A punição política já foi executada: Collor não é mais presidente e PC está na cadeia, ao que parece ilegalmente, pois os prazos estão vencidos e ele continua detido sem julgamento –o que contraria a Constituição e as leis penais de qualquer país civilizado.
A enormidade do crime que Collor e PC cometeram não justifica a arbitrariedade. Mas a mídia –assanhada e moralista– bota lenha na fogueira, constrangendo juízes, ministros, meirinhos de diversos tamanhos e feitios.
O patrulhamento expõe à execração pública aqueles que, por esse ou aquele motivo, não fazem média com a mídia. Uma modelo negra chegou ao Rio; cansada da viagem, não quis dar declarações. Foi insinuado que ela estava drogada e era soropositiva.
Quando a atual Constituição foi promulgada, âncoras e marinheiras de primeira viagem inundaram os canais de comunicação com as lágrimas de emoção em louvor do dr. Ulysses. Era o Brasil novo, honesto e esplendoroso que estava nascendo. Agora, todos malham a Carta de 88, besta negra de todas as misérias.
O direito romano considerava o réu uma coisa sagrada, "res sacra reus". A sacralidade da Justiça repousa no réu, não na vítima ou na sociedade. O macarthismo moral está transformando a mídia num imenso e irresponsável tribunal de Inquisição.

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