São Paulo, segunda-feira, 2 de maio de 1994
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Lula fica sem ter comando total do PT

CARLOS EDUARDO ALVES; ELVIS CESAR BONASSA; GABRIELA WOLTHERS
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

ELVIS CESAR BONASSA
O candidato do PT à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva, começa oficialmente sua campanha sem ter o pleno controle do seu partido.
O 9º Encontro Nacional do PT, encerrado ontem em Brasília, mostrou que Lula avançou em alguns pontos no embate com os radicais do partido, mas teve que ceder em outros.
Mesmo depois de uma discussão de três dias, Lula conseguiu apenas que, se vencer a eleição presidencial deste ano, o seu governo não decretará uma moratória da dívida externo no primeiro dia de sua administração.
Lula e os economistas que o assessoram defendiam que o texto do programa de governo deixasse claro que o princípio que regeria a discussão seria o de negociar com os credores.
Para convencer o grupo de esquerda no partido, o "Opção de Esquerda", a retirar o apoio à moratória no primeiro dia de governo, Lula apoiou a proposta vencedora, que deixa claro ser a moratória o caminho do PT, ainda que não objetivo imediato de governo.
A proposta vencedora estabelece que um governo petista "tomará as medidas necessárias para levar à sociedade brasileira e aos fóruns internacionais apropriados a contestação dos acordos firmados com os credores e retomará negociações em termos compatíveis com os pressupostos" do programa de desenvolvimento do partido.
A proposta derrotada, do grupo "Na Luta PT" (extrema esquerda do partido), previa a moratória sem disfarce. A aprovada, num acordo que reuniu todas as outras tendências políticas do PT, condiciona a adoção da medida à eventual "intransigência dos credores" e à necessidade de recursos para concretizar o programa de reformas que o partido pretende fazer.
A tese do acordo teve 80% dos votos. Mas não deixou dúvidas de que a moratória é apenas uma questão de tempo para o PT. "Ninguém aqui propõe que não se suspenda o pagamento", disse, por exemplo, o deputado José Dirceu (SP), um dos oradores que defenderam a tese vencedora.
"Fora daqui, o FMI", gritou o plenário no encerramento da votação. Lula votou com a proposta vencedora, que excluiu apenas a extrema esquerda do partido.
Na entrevista que concedeu após a votação, Lula tentou diminuir o impacto da declaração de Dirceu sobre a moratória. "O que vale é o que está escrito", disse, preferindo o texto do documento aprovado, que faz uma "ginástica" para não assumir o "calote oficial" como opção preferencial.
Depois do encerramento da convenção que o oficializou como candidato do PT à Presidência, Lula afirmou que "só Deus sabe" se a moratória será decretada num eventual governo do PT.
Nas outras votações, Lula e seu grupo conseguiram alguns avanços graças ao pragmatismo eleitoral. A descriminalização do aborto foi retirado do programa por pressão da Igreja e de Lula, temeroso do prejuízo eleitoral que poderia sofrer.
O setor radical também foi derrotado ao tentar impedir concessões ao capital privado para exploração do setor de energia. Os "moderados" de Lula também vetaram a sindicalização para militares e uma emenda que pretendia coibir "lucros especulativos".
"A guerra começa agora, com os adversários que estão fora do PT", afirmou depois do encerramento do encontro. Lula disse que perdeu quem "apostou numa guerra no PT".
Ontem, no encerramento do econtro, Lula comunicou oficialmente que estava deixando a presidência do PT para se dedicar à campanha.
Rui Falcão, o vice-presidente atual do PT, vai assumir a vaga de Lula no comando do PT. Falcão é o líder da corrente de esquerda no partido.
O ranço contra o papel do Parlamento na democracia imaginada pelo PT ficou clara em duas votações ocorridas no encontro. Na primeira, sobre caráter de governo, foi minimizada ao extremo a importância da via parlamentar na concepção petista.
Na outra, as correntes ortodoxas do partido tentaram incluir no estatuto do partido uma resolução que não incluía as bancadas parlamentares do partido como uma das instâncias de decisão da legenda. Um acordo evitou que a "camisa de força", como a definiu o deputado José Fortunatti (PT-RS), fosse imposta às bancadas petistas.

Colaborou GABRIELA WOLTHERS, da Sucursal de Brasília

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