São Paulo, segunda-feira, 2 de maio de 1994
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Nike é um estilo e uma visão de mundo

NIZAN GUANAES
SEUS ANÚNCIOS SÃO EVANGÉLICOS; NÃO VENDEM APENAS DOUTRINAM

Nike é um estilo e uma visão de mundo. Seus anúncios são evangélicos. Não vendem apenas, doutrinam. Não convencem só, convertem.
Quem visita o show room da Nike em Chicago percebe que entrou no tempo máximo do marketing. Ao contrário da maioria das marcas do mundo e sobretudo do Terceiro Mundo não há um dualismo entre a publicidade de marketing e do dia-a-dia da companhia.
A Nike empresa é exatamente o que a Nike anuncia. Seu presidente é um ex-atleta. Muitos dos seus executivos e homens de marketing, idem.
A sede da empresa é na realidade um campus e inteiramente contornado por uma pista de cooper. No centro deste campus um ginásio. Ou seja, fitness é literalmente o centro da própria companhia.
É este mundo de Nike que os sedentários como eu compram junto com o tênis. Nike faz o menino do subúrbio americano, o garotão do meio-oeste ou um waspzinho de Sutton Place se sentir um jogador de basquete vindo do Harlem.
E, that's cool, man. Nike faz a mulher separada e celulitária se sentir Fernanda Keller só porque deu três voltas no quarteirão. De Nike, é claro. Nike faz o boy do Terceiro Mundo se sentir tão bem quanto se se tivesse cheirado cola.
Por isso um monte de boy que não podia ter Nike tem Nike. Porque se não tiver ele morre. Boy é cabeça, tronco e Nike.
Um intelectual mal-humorado dirá que eles vendem ilusões. É verdade. Como as canções, os livros e os filmes. E não há coisa mais útil para o homem do que a ilusão.
Ilusão é gênero de primeira necessidade. É o que nos mantém vivos. É por isso que no Brasil há televisão em lugares onde não tem nem comida. Sonhar é uma necessidade fisiológica do homem. Nike é sonho.
Nada de closes débeis mentais no produto. Nada de sentimentalismo barato ou de afirmações "vendedoras". Tudo é hip, simples, humano, verossímel, natural. Os filmes e anúncios e posters seguem a desordem coordenada da vida.
Absolutamente diversos um do outro, seguem uma coerência absoluta. O que dá a um monte de peças variadas a mesma cara: a cara da vida (com suas milhares de faces). Tudo isso feito pelas melhores agências, pelos melhores diretores de cinema, os melhores fotógrafos. Veiculado insistentemente, horizontalmente, incansavelmente, continuamente.
Não porque o dono da empresa seja um poeta, um publicitário, frustrado, ou um deslumbrado. Mas um empresário que entende que no negócio dele propaganda é matéria-prima. E que numa sociedade onde os produtos estão cada vez mais parecidos, a imagem de uma marca é que fará a diferença.
Mr. Nike sabe que nos dias de hoje o melhor ponto de venda de um produto é estar nos cantos perdidos do cérebro e da alma humana.

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