São Paulo, segunda-feira, 2 de maio de 1994
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"Você Decide" adota tom de documentário

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

O programa "Você Decide" não mudou de apresentador como chegou a ser anunciado, mas mudou a forma de contar a história da noite. Radicalizando elementos já presentes anteriormente, se tornou mais didático e enfatizou a linguagem de documentário com que trata seus casos ficcionais.
O novo formato substituiu o excesso de emoção pelo excesso de explicação, dada na forma de depoimentos pelos próprios personagens. O didatismo do novo formato salienta a ambiguidade do programa. O "Você Decide" seduz platéias dispostas a aparecer na telinha em cadeia nacional e desafia muitas das categorias com que pensamos a televisão em sua forma e conteúdo.
O programa se inicia com um compacto que sintetiza a história. No último episódio, exibido na última quinta-feira, a empregada Adalgisa (Tânia Alves) descobre que seu noivo está envolvido no roubo de um valioso colar de sua patroa. A "princesa do lar" fica dividida entre o amor e a justiça.
Seguem-se longos depoimentos intercalados com sequências de ação e a história ganha mais nuances. A patroa, que era perfeita, revela-se criminosa. O namorado, que era ladrão, passa a ser caracterizado como apenas um envolvido no caso. E os números começam a aparecer sobre a tela, lembrando o telespectador que "aqui `Você Decide' ".
Os rumos da ação de Adalgisa são ditados pelos telefonemas do público, que, por sua vez, é também influenciado pelos comentários das pessoas na rua e de Raul Cortez no estúdio.
Em Santa Maria (RGS), um verdadeiro auditório de 15 mil pessoas enfrentou o frio para assistir e fazer televisão em praça pública. As falas dessa platéia estão em perfeita sintonia com a linguagem do programa: "Eu denunciaria porque por mais que ela amasse ele, ela estaria acobertando um criminoso". Uma psicóloga chega a aconselhar o personagem: "Adalgisa, o relacionamento afetivo não pode atingir a integridade física ou moral..."
Os comentários de Raul Cortez resumem novamente a história, salientando a ingenuidade do personagem. Em busca de uma solução que restitua o roubo sem ameaçar seu noivo, Adalgisa "atabalhoadamente" termina por desvendar o envolvimento de sua própria patroa em um crime fraudulento. E, ao fim, ela joga a jóia valiosa ao mar, pensando tratar-se de uma réplica sem valor.
Apesar de o programa insistir em resumir a multiplicidade de pontos de vista a uma simples oposição entre sim e não, a redução é ilusória.
Adalgisa é a um só tempo heroína boa e justiceira, "coitadinha" e estúpida. E "Você Decide" é um híbrido de programa de auditório, novela condensada e jornal. Na linha do "reality show", aprisiona a fantasia em um formato jornalístico e busca legitimidade na exposição pública das decisões íntimas.

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