São Paulo, terça-feira, 3 de maio de 1994
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Segurança nacional flexível

PAULO RABELLO DE CASTRO

Um dos mais importantes argumentos, senão o principal, para a manutenção de monopólios estatais, definidos na Constituição brasileira, diz respeito às chamadas atividades intimamente vinculadas à segurança nacional.
Como somos um país de economia "em desenvolvimento", mas, ainda subsidiária da economia internacional e dos grandes centros de poder transnacionais, há um compreensível sentimento de preservação da soberania nacional por trás desta noção de segurança nacional.
Contudo, é preciso que se diga, a economia brasileira sofre permanentemente mutações, cresce e muda sua configuração em termos geopolíticos. Ao mesmo tempo, os grandes centros de poder internacional e transnacional também sofrem mutações constantes, sendo o fim da Guerra Fria e a implosão do império soviético a mais destacada mutação neste final de século.
Finalmente, atividades consideradas de segurança nacional há três décadas, por exemplo, deixam ser tidas como tais, dada a vertiginosa velocidade do desenvolvimento tecnológico. A soberania nacional já não é ameaçada pelos mesmos fatores de antes. O que era segurança nacional, ontem, hoje já não o é.
Para questionar ainda mais este complexo conceito de segurança nacional, assistimos ao longo das últimas três décadas a vulgarização desta noção durante o regime militar. O ritmo de transformações conjunturais e estruturais no mundo –a globalização– e no Brasil, previstas para as próximas décadas, exige a aplicação de conceitos, em qualquer área, mais dinâmicos e rapidamente ajustáveis à cada situação.
Portanto, falar em segurança nacional como um conceito estático e dependente de uma decisão de governo é o mesmo que limitar as possibilidades de um jogo pela rigidez tática de seus jogadores.
Um novo conceito de segurança nacional deve ser definido pelo Congresso Nacional, não mais de forma perene na Constituição, mas face a cada caso. O que é hoje segurança nacional, poderá não sê-lo amanhã.
Portanto, um postulado básico deste novo conceito é que ele seja limitado no tempo. Uma segunda característica é o grau de ameaça potencial à segurança nacional. As diferenças perceptíveis em cada caso implicam em atitudes diferenciadas, flexibilizando as decisões de governo.
Pela nova definição constitucional que ora sugerimos, contudo, desde as atividades de segurança nacional consideradas de grau máximo, até aquelas de grau mínimo, o controle do Estado se fará presente. Num caso extremo (grau máximo), a defesa nacional, típica atividade de segurança nacional, entendemos que deva ser exercida pelo monopólio exclusivo do Estado.
Já na exploração do petróleo, não se concebe que continue sendo considerada atividade de segurança nacional em grau máximo. Neste caso, a flexibilização do conceito implicaria a participação do setor privado, lado a lado com a empresa estatal, ou, eventualmente, até sua privatização.
E, finalmente, nos casos de segurança nacional em grau mínimo, aceitar-se-ia sua total desestatização, embora sob necessária supervisão e fiscalização do Estado –como, por exemplo, nas telecomunicações e na produção e distribuição de energia, inclusive nuclear.
Finalmente, cabe, ainda, menção a um novo fator, muito específico no Brasil, que implica em qualquer reflexão sobre o conceito de segurança nacional. A própria noção de Estado e nação, herdada do século passado, sofre hoje mudanças sensíveis.
A segurança do Estado depende da segurança multilateral de blocos econômicos, assim como a segurança do meio-ambiente depende mais ainda da ação supranacional. Ao mesmo tempo –e não menos importante– a segurança do Estado repousa na segurança e bem-estar do cidadão. No Estado pós-moderno, o cidadão é que deve ter sua "soberania" prioritariamente preservada.
É realmente lamentável que a revisão constitucional não tenha chegado a examinar estas questões. Talvez, por sorte do destino, esse fato possa vir a ser considerado positivo. Afinal, falta ainda uma reflexão maior sobre o conceito de segurança nacional e, certamente, quando voltarmos a discutir as reformas estruturais numa próxima etapa da revisão constitucional –que esperamos ocorra em breve– a questão dos monopólios e da segurança nacional já estará mais amadurecida.

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