São Paulo, terça-feira, 3 de maio de 1994
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Spike Lee volta à infância em "Crooklin"

FERNANDO CANZIAN
DE NOVA YORK

Alguma coisa parece estar faltando no novo filme do diretor Spike Lee. E a impressão que "Crooklyn" passa é que faltam uma boa história e uma contestação, as duas principais marcas de todos os filmes do diretor.
"Crooklyn", como o próprio Spike Lee afirma, faz parte de uma nova fase. Conta a história de uma família negra de classe média baixa que vive em Crooklyn (crook significa pilantra ou desonesto em inglês) durante os anos 70.
É uma família de pai músico e desempregado (Delroy Lindo), mãe professora (Alfre Woodard), quatro meninos e uma menina chamada Troy (a estreante Zelda Harris), a personagem principal.
O filme é familiar e foi produzido em família. Os irmãos de Spike Lee, Joie Susannah Lee e Cinque Lee, ajudaram o diretor a montar toda a história do filme, amplamente baseada na infância dos três no Brooklyn, bairro vizinho a Manhattan, em Nova York.
Basicamente, o filme pretende mostrar o cotidiano da época. Como as crianças brincavam de amarelinha, de jogar pião, as estratégias para roubar coisas do supermercado e, principalmente, como vários irmãos homens são capazes de infernizar a vida da única irmã.
"Crooklyn" também retrata muito bem como viviam os imigrantes latinos e os negros americanos na periferia de Nova York. Mas o filme não mostra nada sobre os sonhos ou as perspectivas dos seus persongens. Fica no dia-a-dia.
O sétimo filme de Spike Lee acerta nos figurinos e trejeitos da época e resgata preciosidades do soul negro dos anos 70. As músicas incluem The Jackson 5, Stevie Wonder, Jimi Hendrix, James Brown e outros 18 bons nomes.
O problema é a história. Quase nada acontece. Há algumas brigas engraçadas entre irmãos, cenas de separação conjugal e uma morte. Em algumas passagens, há diálogos intermináveis e vazios. Durante o almoço familiar, por exemplo, fala-se muito sobre quase nada e ninguém mastiga. Soa forçado demais.
O diretor Spike Lee afirma que "Crooklyn" pretende expandir os assuntos que vem tratando nos seus últimos filmes, que abordaram romances interraciais, violência urbana, racismo entre negros e a vida do líder negro Malcolm X.
"O hip hop, as drogas, o rap e os movimentos urbanos não concentram a totalidade da experiência afro-americana. Acho que a audiência está pedindo mais do que esses filmes têm oferecido", diz Lee. "Além disso, muita gente vinha me perguntando quando eu faria um filme que as crianças pudessem assistir".
A irmã do diretor, Joie Lee, diz que sempre se interessou por filmes realizados sob a perspectiva infantil. Cita "Conta Comigo" (Stand by Me) e "Pixote", de Hector Babenco, como fontes de inspiração para "Crooklyn".
Spike Lee diz que seu novo filme "evoca uma época em que as crianças afro-americanas eram motivadas por duas coisas: televisão e açúcar. Naquela época, as crianças tinham várias brincadeiras de rua. Isso não existe mais. Hoje em dia as crianças jogam com Nintendos e Segas. Não é possível achar ninguém que saiba rodar um pião."
Toda a ação do filme, com estréia marcada para a próxima semana nos EUA, se passa através da perspectiva da pequena e tranquila Troy. Ela entende tudo melhor que os outros e é a grande personagem de uma história familiar que demora a se revelar.
Spike Lee volta a usar em "Crooklin" recursos que já são sua marca, como câmeras virando de cabeça para baixo e esticando pessoas.
"Crooklyn" pode passar muito bem como um bom filme infantil, uma história familiar ou como uma experiência nova de um grande diretor. Mas também corre o risco de passar despercebido por muita gente.

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