São Paulo, terça-feira, 3 de maio de 1994
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Londres faz fila para ver fotos de Leibovitz

SÉRGIO MALBERGIER
DE LONDRES

É preciso enfrentar filas para apreciar a exposição da fotógrafa americana Annie Leibovitz na National Portrait Gallery, em Londres. Sua câmera a transformou não apenas numa fotógrafa de celebridades, mas numa celebridade em si.
Só na Europa, mais de 600 mil pessoas já viram as cerca de 150 fotos da exposição, a primeira de Leibovitz em museus.
A exposição tem fotos impressionantes de Mick Jagger num elevador de hotel, de roupão e com uma toalha-turbante enrolada na cabeça, durante turnê dos Rolling Stones em 1975, acompanhada pela fotógrafa. Magérrimo, expressão séria, diferente do então roqueiro agitado e "rebelde". O guitarrista Keith Richards aparece em "estado de coma" estirado no chão do estúdio.
Annie Leibovitz diz que sua primeira e maior influência foram as fotos do álbum de família e fotos despretensiosas de paisagens urbanas –simples e íntimas. A intimidade aparece em muitos de seus trabalhos, mas a simplicidade foi se sofisticando com o passar do tempo e o aumento da verba de produção.
Uma das fotos mais impressionantes, e uma das mais conhecidas, é a de John Lennon nu abraçando Yoko Ono vestida, deitados no chão, tirada em 1980, pouco antes do assassinato do ex-Beatle.
"Eles estavam sempre sendo fotografados na cama juntos. E, para mim, em 1980, romantismo era uma coisa meio fora de moda. Eu quis mostrar quanto eles ainda estavam apaixonados após tantos anos. Pensei num abraço nu, mas no último instante Yoko desisistiu de tirar a roupa. Eu não imaginei na hora como o retrato era forte. Ele parece tão vulnerável. É uma foto de mãe e filho", diz a autora.
Em 1981, ela se tornou fotógrafa da revista de variedades "Vanity Fair". Suas fotos se tornaram mais coloridas e produzidas. Mas o tema continuou as celebridades.
O grande trunfo de Leibovitz foi ter conseguido conquistar a simpatia ou a disposição das estrelas que fotografa. Com isso, ela pode tirar a foto que imagina, por mais difícil que seja.
Exemplos: a atriz Whoopi Goldberg aparece numa banheira cheia de leite, com braços, pernas e rosto para fora. A modelo Lauren Hutton está nua, coberta de lama. O jazzman Miles Davis sorri deitado na cama, só de cueca, braços cruzados sobre o rosto –uma mancha preta–, só aparecendo o branco dos olhos.
Um retrato instigante é o do então casal Isabela Rossellini (atriz e modelo) e David Lynch (diretor), de 1986. A cacharrel cobrindo o rosto de Lynch lembra muito temas favoritos do pintor surrealista belga Magritte.
Há ainda fotos de Arnold Schwarzenegger, Mikhail Barishnikov, Clint Eastwood, Tom Wolfe. O elenco é gigantesco.
O Brasil está representado por Pelé. Apenas os pés do rei aparecem, em close, destacando suas unhas escangalhadas.
Ficaram de fora outros dois brasileiros fotografados por Leibovitz, Sônia Braga e Emerson Fittipaldi. Eles fazem parte das dezenas de estrelas retratadas por ela para uma luxuosa campanha publicitária do American Express, que financia a exposição.
A mostra termina com o trabalho politicamente correto de Leibovitz. Uma sessão de fotos de aidéticos e uma perturbadora coleção de 12 retratos de Sarajevo.
Sem a obrigação objetiva do fotojornalismo, ela revela ângulos mais sutis da carnificina, destacando detalhes assombrosos (e poéticos) dos corpos espalhados pelo corredor do necrotério, uma bicicleta caída ao lado de marcas de pneu feitas com sangue e uma inusitada cena de banhistas alegres ao lado de uma ponte destruída.

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