São Paulo, sábado, 7 de maio de 1994
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Suplício inútil

As brutais vergastadas a que foi submetido o jovem norte-americano Michael Fay por atos de vandalismo em Cingapura sugerem uma reflexão sobre os delitos e as penas. Como bem o demonstra a reação da população norte-americana –que, segundo a maioria das pesquisas, apoiou o castigo–, as pessoas tendem a considerar que, quanto mais duras forem as penas, menor será a taxa de criminalidade.
E os defensores dessa tese absurda gostam de citar Cingapura como exemplo. De fato, o sistema legal dessa cidade-Estado é draconiano. Em nome da limpeza pública, as gomas de mascar foram banidas do país e quem as contrabandear pode ir para a cadeia. Cerca de 30 crimes são punidos com o açoite, além de cadeia e multas. Traficantes de drogas são enforcados.
Não se pode negar que Cingapura seja uma das cidades mais limpas do mundo, mas a criminalidade, embora não seja endêmica, existe. Fica claro, assim, que nem mesmo o terror legiferante é capaz de acabar com o crime. Nesse sentido, o espancamento do jovem norte-americano não passa de um espetáculo cruel que fere a integridade física e mental de uma pessoa sem contribuir significativamente para a manutenção da ordem.
A tendência de todos os países ocidentais vem sendo a de abandonar a aplicação de penas desumanas, procurando transformá-las não num mero castigo ou vingança, mas numa oportunidade de reeducar o criminoso devolvendo-o recuperado à sociedade. E foi graças a essa tendência que o suplício da roda e seus congêneres desapareceram.
Já no século 18, o grande jurista Cesare Beccaria escreveu: "Um dos maiores freios dos delitos não é a crueldade das penas, mas a sua infalibilidade". E não é outra a explicação para o sucesso de Cingapura no campo da limpeza pública. Lá as multas para os poluidores (sanções estas sim proporcionais e educativas) são de fato aplicadas.

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