São Paulo, sábado, 7 de maio de 1994
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Receita para se fazer uma crise

GILBERTO DIMENSTEIN

BRASÍLIA – É o que se chama ironia da história. Uma das propostas mais sensatas lançadas para se prevenir contra instabilidades políticas foi o fim da Vice-Presidência. Foi lançada, na revisão constitucional, por um deputado do PSDB e um senador do PFL. A idéia não saiu do papel, mas o desfecho é interessantíssimo.
Numa brilhante argumentação, o deputado José Serra enfatizou que, desde 1946, seis presidentes foram escolhidos em circunstâncias democráticas –inclui também Tancredo Neves, eleito por via indireta, mas num clima de liberdade. Desses, apenas dois concluíram seus mandatos.
O problema é que, no Brasil, os vice-presidentes são, em geral, um complemento e exibem um perfil diferente do cabeça da chapa. Se o presidente é de centro-direita e é da região Sudeste, o vice deve vir do Nordeste e ser mais à esquerda, preferencialmente de outro partido.
Caso o presidente morra ou renuncie, seu substituto será diferente do modelo desejado pela maioria dos eleitores. Resultado: crise.
Essa tese sensibilizou um senador do PFL que, também aproveitando a revisão, quis acabar com o vice. Ele se chama Guilherme Palmeira. Inspirado pelos exemplos históricos citados por Serra, considerava melhor para o país a realização de uma nova eleição. Vejam só que curioso.
O partido de José Serra acabou escolhendo Guilherme Palmeira para vice de Fernando Henrique. Seguiu-se exatamente o figurino da crise –o candidato a presidente vem de um partido de "centro-esquerda"; o vice está mais à direita, próximo de usineiros. Um vem do Sudeste; o outro, do Nordeste.
Ontem, por sinal, descobriu-se que Palmeira usou sua influência política para conseguir uma concessão de TV para sua família durante o governo Sarney. Durante esse período, foram distribuídas concessões pelo então ministro Antônio Carlos Magalhães, visando a aprovação de cinco anos de mandato para Sarney.
Pena que o Congresso não tivesse se sensibilizado com os argumentos de Serra e de Guilherme Palmeira –assim teríamos uma vacina contra crises.

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