São Paulo, sábado, 7 de maio de 1994
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Líderes sem representatividade

RICARDO ANTÔNIO SILVA SEITENFUS

Os esforços de paz no Oriente Médio devem-se, em muito, à coragem de Iasser Arafat e ao realismo de Yitzhak Rabin. Resulta que eles jamais tiveram sua representatividade tão questionada como no presente.
Quanto aos palestinos, os problemas não se devem somente aos movimentos extremistas paralelos à OLP, como o Hamas ou as frentes de libertação chefiadas por Georges Habache e Nayef Hawatmeh. A própria OLP, liderada por Arafat desde 1969, está dividida.
O Comitê Executivo da OLP aprovou o primeiro acordo, assinado em Washington (setembro de 93), em circunstâncias dramáticas: entre votos contrários, boicotes e abstenções, dos seus 18 membros apenas 8 pronunciaram voto afirmativo.
Na verdade, o reconhecimento desta organização como representante do povo palestino, por parte dos EUA e de Israel –que até há bem pouco tempo a consideravam um movimento terrorista– , constitui um ganho para a OLP e não necessariamente para a paz.
De outra parte, o premiê Rabin governa Israel a partir de uma coalizão que dispõe de 56 entre as 120 cadeiras do Parlamento. Após o acordo firmado em 4 de maio último, no Cairo, tornou-se alvo de várias moções de censura, lideradas pelos partidos de direita. Eles definem o ajuste como "um câncer, prelúdio de um Estado terrorista palestino".
Os limites do último acordo são significativos, pois os pontos mais importantes não foram tratados: o Golan, o sul do Líbano, o resto da Cirsjordânia, Jerusalém Leste, os 2,8 milhões de refugiados palestinos, dos quais um terço vive em 59 campos dentro e fora dos territórios ocupados, além das colônias israelenses neles radicadas.
A dificuldade da negociação e o despreparo dos negociadores, mas sobretudo a falta de confiança recíproca, fizeram do Cairo palco de um espetáculo circense. Diante de 2.500 convidados, Arafat suspendeu a cerimônia por duas horas, refutando um dos mapas de divisão de Jericó.
As quatro gerações de ódio e de vingança, reconhece o próprio Rabin, fazem o acordo do Cairo ser apenas "a ponta do iceberg dos problemas que precisamos suplantar". De fato, para Israel, o militarismo sempre foi a única forma de sobreviver entre tantos inimigos e impregna a essência do aparelho estatal e da organização social.
Não se deve confundir as verdadeiras chances de paz com a incapacidade dos adversários em oferecer uma alternativa ao acordo.
A paz somente poderá alicerçar-se em bases sólidas se houver uma mudança bem mais profunda: quando Israel não mais se sentir como uma ponta de lança ocidental cravada no coração do Oriente, mas sim um Estado oriental cooperativo, aberto e solidário aos dilemas da região; quando os árabes libertarem-se das autocracias que os dirigem, predominantemente, de forma ditatorial e obscurantista.

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