São Paulo, domingo, 8 de maio de 1994
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O termo "Terceiro Mundo" é obsoleto

RICHARD NIXON

O termo "Terceiro Mundo" é obsoleto. Com a queda do comunismo na União Soviética e Europa Oriental e com a China rapidamente se tornando economicamente mais capitalista do que comunista, só restam dois "mundos". Um deles abrange os países desenvolvidos, principalmente as nações do Hemisfério Norte que são ricas ou estão se tornando ricas, e o outro aquelas do mundo em vias de desenvolvimento, principalmente nações do Hemisfério Sul que são pobres e, em alguns casos, estão se tornando mais pobres.
Embora o Hemisfério Sul não mais represente uma prioridade estratégica para os Estados Unidos, os EUA cometeriam um erro profundo se ignorassem os perigos e as oportunidades no mundo em desenvolvimento, onde vivem dois terços da população mundial.
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, funcionários governamentais corruptos e políticas econômicas desastrosas vêm tolhendo o desenvolvimento da maioria das nações da América Latina, África, Oriente Médio e sul da Ásia. Com o fim da Guerra Fria, duas transformações melhoraram dramaticamente as chances de progresso econômico e político.
Durante 45 anos muitas das nações do mundo em desenvolvimento foram peões na luta entre Oriente e Ocidente. A ajuda que recebiam dependia não de suas necessidades ou da qualidade de suas iniciativas econômicas e políticas, mas do lado que apoiavam na luta entre Oriente e Ocidente. Agora, o único critério adotado é se elas adotaram ou não políticas econômicas e orientações políticas que têm chance de promover o progresso e a liberdade econômicos.
O que é ainda mais significativo é que várias nações do mundo em desenvolvimento aprenderam o segredo do progresso econômico do Ocidente. Pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra Mundial, as nações do mundo em desenvolvimento têm uma chance real de romperem o ciclo de pobreza e instabilidade política que vem sufocando seu crescimento econômico e desenvolvimento.
As histórias de sucesso no que era anteriormente o Terceiro Mundo apontam o caminho do progresso. Qual o segredo do fenomenal progresso econômico da Ásia Oriental? Políticas econômicas que premiam as iniciativas privadas; grandes investimentos em educação; barreiras tarifárias reduzidas e inflação baixa; e um contexto legal estável que atraiu investimentos privados nacionais e estrangeiros. Igualmente importante foi o fato de que as nações que desfrutaram progresso econômico rejeitaram a possibilidade de o governo exercer um papel econômico importante. Elas reconheceram a verdade fundamental de que são as empresas privadas, e não as estatais, que produzem progresso.
Na Ásia Oriental, os quatro tigres –Coréia, Hong Kong, Taiwan e Cingapura– adotaram políticas econômicas de livre mercado que produziram um crescimento explosivo. Hoje a Malásia e a Tailândia estão avançando rapidamente na mesma direção. A Indonésia está começando a desenvolver o enorme potencial oferecido por seus recursos humanos e naturais.
A Índia está começando a afastar-se das políticas estatistas que teriam fadado uma nação que no século 21 será a de maior população do mundo a continuar sendo uma das mais pobres. Os interesses em jogo são imensos. Temos profundo interesse no sucesso da Índia em implementar reformas econômicas de livre mercado. Na Rússia, a questão é se o capitalismo democrático conseguirá competir com o capitalismo comunista da China. O júri ainda não deu seu veredicto.
Na Índia, a questão é se o socialismo democrático conseguirá competir com o capitalismo comunista chinês. O veredicto já saiu. O capitalismo comunista da China é o vencedor inconteste. Nesta competição entre as duas nações mais populosas do mundo, a Índia merece apoio porque está tentando realizar progresso econômico com democracia. Mas ela não vai conseguir fazê-lo a não ser que abandone o socialismo.
Na América Latina, a experiência recente mostrou que a democracia por si só não basta. Durante a década de 80, 12 nações latino-americanas passaram da ditadura à democracia. Entretanto o PNB da América Latina caiu durante o mesmo período, porque os dirigentes democraticamente eleitos não abandonaram suas políticas estatistas e não adotaram políticas econômicas de livre mercado. Em consequência disso, os anos 80 ficaram sendo conhecidos como a década perdida.
Uma história nova e empolgante está sendo escrita nos anos 90. Argentina, Brasil, Colômbia, Costa Rica, México, Peru, Venezuela e até mesmo a Bolívia, o país mais pobre da América do Sul, juntaram-se ao Chile na adoção de políticas de mercado livre que estão produzindo um crescimento substancial em suas economias e nas rendas per capita de suas populações. David Rockefeller, que acompanha de perto os acontecimentos na América Latina há décadas, observou: "Está claro agora que um novo clima de pragmatismo e empreendimento tomou conta desses países".
Historicamente, o mundo em vias de desenvolvimento tem sido um sumidouro econômico e político. Ainda está vívida em minha memória a primeira visita que fiz a uma dessas nações, a Indonésia, quando eu era vice-presidente, 40 anos atrás. O presidente Sukarno, vestindo um uniforme branco elegantíssimo, nos recebeu (a sra. Nixon e eu) no palácio presidencial. A fantástica cozinha e atendimento do jantar de Estado com que nos recebeu estiveram à altura do que seria oferecido em qualquer país ocidental. Mas quando passamos de carro pelas ruas de Jacarta, na época a cidade de maior população mundial, vimos esgotos abertos que escoavam para canais. Crianças nadavam nas águas imundas e mulheres lavavam roupa nelas. Aqueles que se queixam dos males da industrialização e falam nostalgicamente do quão melhor era a vida para as pessoas antes da industrialização deveriam visitar algumas das nações do mundo em desenvolvimento que ainda não foram "contaminadas" pelo progresso econômico.
Em muitas partes do mundo em desenvolvimento, muito pouca coisa mudou. O PNB conjunto de todo o continente africano ao sul do Saara é menor do que o da Holanda. Devido ao fato de que o fim da Guerra Fria reduziu o desejo das maiores nações de comprar amigos na África, a ajuda estrangeira foi reduzida. A África sub-saariana é a única região do mundo que provavelmente irá viver um aumento da pobreza absoluta durante a próxima década. Em todo o mundo em vias de desenvolvimento, mais de 192 milhões de crianças sofrem desnutrição. O índice anual de crescimento populacional tem sido de 2,5% nas últimas décadas, mais de cinco vezes o índice de crescimento dos países desenvolvidos durante os últimos dez anos. Na maioria destes países, a renda per capita praticamente não aumentou desde os anos 60.
O Ocidente não é responsável pelos problemas do mundo em desenvolvimento, mas temos uma responsabilidade e uma oportunidade únicas para tentar ajudar a resolver esses problemas. Sem nossa assistência, os esforços feitos para romper o ciclo da pobreza irão fracassar. Com nossa ajuda, eles têm uma chance de darem certo. Embora não possamos nos transformar na agência de previdência social do mundo, temos a obrigação de ajudar esses países a encontrarem soluções para seus problemas.
Nossas políticas de assistência ao mundo em vias de desenvolvimento são baseadas não apenas no altruísmo, mas também em nossos interesses próprios. Existem três grandes áreas em que nossos interesses são afetados por nossas políticas em relação ao mundo em desenvolvimento: nossa economia, nossa segurança e o aumento ameaçador no número de refugiados que imploram para ingressar nos Estados Unidos.
O aumento do crescimento econômico no mundo em vias de desenvolvimento levará ao aumento da prosperidade nos Estados Unidos. Nossas exportações de bens e serviços ao Canadá, um interesse vital dos EUA e país desenvolvido com população de 20 milhões de pessoas, foram de US$ 108 bilhões em 1992. Nossas exportações ao México, um país em vias de desenvolvimento com uma população cinco vezes maior do que a canadense e que também é interesse vital nosso, foram de US$ 50 bilhões. O fato de o México sair da pobreza irá criar milhares de empregos para mexicanos e outros milhares nos Estados Unidos, onde mais de oito milhões de empregos dependem do comércio externo.
Aprendemos com a Somália e a Bósnia que o fim dos conflitos entre superpotências não significa o fim dos conflitos regionais. A instabilidade no mundo em desenvolvimento continuará a funcionar como ameaça significativa aos interesses norte-americanos. Três dos cinco maiores Exércitos mundiais estão no mundo em desenvolvimento. Todos os países que hoje procuram tornar-se potências nucleares estão no mundo em vias de desenvolvimento, e eles não são, em sua maioria, amigos dos Estados Unidos. O pesadelo de uma guerra nuclear iniciada no mundo em desenvolvimento pode vir a tornar-se realidade.
Mas o fim da Guerra Fria abriu portas para iniciativas diplomáticas que não tinham chance de dar certo enquanto a União Soviética se opunha a elas. O mais eloquente exemplo disto são as perspectivas de paz no Oriente Médio. Durante os últimos 45 anos houve cinco guerras entre Israel e seus vizinhos árabes. Cem mil pessoas perderam suas vidas nessas guerras. Houve quatro guerras entre a Índia e o Paquistão durante esse mesmo período de 45 anos. Mais de cinco milhões de pessoas perderam suas vidas nessas guerras. A União Soviética desempenhou o papel de vilão nas cinco guerras árabe-israelenses anteriores. Agora a Rússia apóia o processo de paz e, com isso, faz com que ele tenha alguma chance de dar certo.
Dois dos países mais pobres do mundo –Índia e Paquistão– gastaram mais de US$ 11 bilhões por ano com o objetivo de travarem uma guerra futura. O conflito tem raízes nas profundas divergências religiosas entre eles, mas foi exacerbado pelo fato de que a União Soviética apoiava a Índia e a China apoiava o Paquistão. Agora uma janela de oportunidades se abriu, possibilitando progressos nas negociações entre os dois países. Num processo semelhante ao das negociações no Oriente Médio, os Estados Unidos, a Grã-Bretanha, a Rússia e a China poderiam ajudar a intermediar a paz.
A pobreza no mundo em desenvolvimento vai continuar a produzir milhões de refugiados. No mundo inteiro, pessoas dos países subdesenvolvidos estão se mudando para países desenvolvidos. Todos os meses estimados 60.000 mexicanos atravessam ilegalmente a fronteira com os Estados Unidos, com isso impondo um ônus enorme aos orçamentos federal e estaduais americanos, que já se debatem com problemas de bem-estar social, criminalidade e desemprego. Na Europa esse êxodo econômico está provocando o aumento das tensões sociais e da xenofobia nos países anfitriões. A não ser que as economias do Hemisfério Sul cresçam, essa enxurrada de refugiados do mundo em desenvolvimento vai se transformar em dilúvio.
Tanto os países desenvolvidos quanto aqueles em desenvolvimento precisam modificar suas políticas. Assistência do exterior não é a solução. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos já forneceram US$ 450 bilhões em assistência às nações do mundo em desenvolvimento. Os resultados têm sido desanimadores. Em muitos casos, a assistência estrangeira apenas reforçou as ineficiências dos governos estatistas, incentivou a corrupção e promoveu o protecionismo. A assistência estrangeira visava produzir prosperidade. Mas em muitos casos ela subsidiou a pobreza.
Durante a Guerra Fria a maior parte de nossa assistência ao exterior esteve diretamente vinculada a nossos interesses de segurança. A assistência ao exterior num período para além da paz precisa justificar-se por si só: ela promove nossos interesses e os interesses do povo da nação que a recebe? Os Estados Unidos devem continuar sendo generosos no fornecimento de ajuda humanitária, nos casos em que temos a capacidade de fazê-lo. Mas a assistência ao exterior não deve ser usada para apoiar e subsidiar governos que se recusam a adotar orientações políticas que promovam a paz e a liberdade e políticas econômicas que tenham chances de darem certo. O crescimento bem-sucedido no século 21 não pode ser obtido confiando-se em políticas estatizantes fracassadas dos séculos 19 e 20.
Em lugar de continuarmos a distribuir quantidades ilimitadas de ajuda ao exterior, devemos promover o livre comércio com esses países. Como observou o "The Economist" antes da cúpula das democracias industrializadas em Tóquio, em julho de 1993, "se os países ricos abolissem todas as suas barreiras contra os produtos do Terceiro Mundo, o aumento nas exportações das nações em vias de desenvolvimento representaria o dobro, em valor, do que elas recebem como ajuda". A redução das barreiras comerciais é indispensável para que as nações do mundo em desenvolvimento tenham qualquer chance de atingirem o crescimento econômico.

Continua na página seguinte.

Texto Anterior: Polícia palestina assume hoje
Próximo Texto: Nixon é autor de dez livros
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.