São Paulo, quarta-feira, 11 de maio de 1994
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Nina Wise mistura humor e horror em monólogo

MARIO VITOR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

No programa do Festival Internacional de Artes Cênicas, a apresentação da norte-americana Nina Wise, denominada "What to Call Home", aparece na categoria "performance", mas tem muito pouco a ver com este tipo de manifestação artística.
Wise mostra, na verdade, um espetáculo teatral, um monólogo com dois temas principais, a divertida viagem ao Brasil e a sofrida incursão à Europa.
O desempenho da atriz, na história da vinda para São Paulo, supera em muito a parte "séria". O convite para a viagem ao Brasil chegou durante sessão de meditação em sua casa nos EUA. Organizadores deixam mensagem na secretária eletrônica. A partir dali, adeus contato com os espíritos.
Impõem-se as providências com a Vasp, a aeromoça que não se cansa de acordá-la para comer, a greve da Polícia Federal no aeroporto de São Paulo, o sanduíche do Ponto Chic, inúmeras recepções e ensaios para a peça.
É na primeira parte que Nina Wise revela suas qualidades cômicas. Sucedem-se gags, num estilo fiel ao dos comediantes americanos de extração judia, mas que incorpora, algo brasileiro, no jeito escrachado de imitação dos tipos.
O texto é em inglês, mas os contornos da história são acessíveis mesmo para quem não domina a língua. A atriz entremeia expressões em português, que aprendeu a articular com um sotaque malandro e amigável, de grande efeito histriônico.
Por vezes, a impressão é de que se trata de uma comediante brasileira das boas, falando inglês e gozando do jeito brasileiro de ser.
Infelizmente, Wise também se dispõe a falar "sério". Apela, então, ao ar piegas que muitas vezes está presente na pior arte comercial americana.
Judia, seu relato da vinda ao Brasil remete a outra viagem, à Tchecoslováquia. Nessa escala, ela toma conhecimento da história de amor entre um sobrevivente de Auschwitz e uma alemã que administrava o alojamento dele no pós-guerra.
Visita o hospital em que Mengele fazia experiências operando o crânio de pessoas vivas. Entra numa câmara de gás. Tem um transe metafísico.
Nunca será demais examinar as atrocidades cometidas nesse episódio. Outra coisa é tentar dar a uma história banal um significado que não tem e obter para a peça um apoio que é para a causa.
Finalmente em Praga, Wise adentra os mistérios do misticismo judaico. Relata a história do Golem, homem-gigante feito de lama, e de seu criador. A criatura cresce a cada dia, até Lowe ser morto por ela.
Na jornada pela recuperação de sua identidade, a personagem enfrentou o fantasma do Holocausto e redescobriu a complexidade da experiência histórica e da mística judaica.
Chega ao final revalorizando sua "luz interior", sua casinha, a família: "Tudo que você precisa saber vem com o silêncio antes do sono". São pílulas de vida, bons conselhos, mas Nina fica melhor quando se aproxima da gozação dos irmãos Marx do que quando recorre ao cacoete lacrimoso consagrado por Barbra Streisand.

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