São Paulo, segunda-feira, 16 de maio de 1994
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País pode entrar em colapso, diz Sarney

GILBERTO DIMENSTEIN; LUCIO VAZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O ex-presidente e senador José Sarney (PMDB-AP) afirmou em entrevista à Folha que o país atravessa uma grave crise, capaz de levar a um colapso institucional –"uma crise maior", nas suas palavras.
As raízes desse colapso estão no que ele chama de instabilidade da sucessão presidencial.
Ele considera que não há adversários para Lula e prevê dificuldades em um possível governo petista. Ele seria pressionado mais por seus aliados, fazendo reivindicações de melhoria de salários e distribuição de terra, mas não teria maioria no Congresso.
"O Lula tem que comandar o seu partido. Mas ele disse que não comanda. Isso é o prenúncio de um caos político. Se o candidato não comanda, quem comanda? Quem vai comandar o país?", indaga Sarney.
Ele lamentou o chamamento dos militares pelo presidente Itamar Franco para acabar com a greve na Polícia Federal.
Disse que Quércia venceu a prévia porque tinha o controle da máquina partidária. "A burocracia partidária tem um total descompromisso com a opinião pública", afirmou.
*
Folha - O PMDB, maior partido do país, tem como candidato alguém que está mal nas pesquisas e sendo acusado de estelionato pela Procuradoria Geral da República. Mas ele foi bem na prévia. Qual a explicação para isso?
José Sarney - A gente deve analisar o processo partidário brasileiro de uma maneira mais ampla.
Ele está se desenrolando num terreno absolutamente irracional, até porque desapereceram os partidos. Ficaram só as pessoas.
Houve uma desintegração do processo político brasileiro. E um dos processos mais evidentes é a desintegração partidária. O que ficou foi a irracionalidade.
O que seria lógico o partido buscar seria a vitória. Para isso, teria que buscar as pessoas que intermediassem melhor a opinião pública e o partido.
Mas o partido é apenas um cartório para registro de candidaturas. Criou-se a idéia de partidos de donos.
Folha - Mas qual a lógica disso?
Sarney - O PMDB está seguindo essa tendência. A burocracia do partido acha que tem total descompromisso com a opinião pública.
Então, não importa se um candidato tem condições de levar o partido à vitória. Se a burocracia do partido julgar que ele não é o candidato escolhido por ela, simplesmente desconhece o processo político.
Folha - Mas os líderes do partido no Congresso não queriam a candidatura Quércia. E mesmo sem este apoio, o ex-governador consolidou a sua candidatura. Como ele conseguiu isso?
Sarney - Ele tem a estrutura partidária. A própria Executiva não é representativa do partido, porque foi escolhida num momento de crise.
Agora, eu entrei neste processo porque achei que podia prestar um serviço ao país e à democracia. Mais do que isso, acho que a minha presença no processo eleitoral é um instrumento de estabilidade.
O processo até hoje não conseguiu se estabilizar. Só tem como candidato o Lula.
Folha - O senhor acha que não há um adversário para o Lula?
Sarney - Até este momento não tem. E isso é péssimo para o processo sucessório.
Folha - O senhor entende que o Fernando Henrique não é adversário para o Lula?
Sarney - A candidatura do Fernando Henrique até agora não conseguiu se estabilizar.
Ele não conseguiu consolidar os seus acordos, não conseguiu uma base sólida de opinião pública. E contra todas as expectativas, porque o desejo de todos os partidos é que a candidatura dele já estivesse estabilizada.
E o fato de eu ser ex-presidente, o fato de eu ter base popular, o fato de eu ter autoridade... é uma possibilidade de eu contribuir para esta estabilização.
Eu não sou um aventureiro, que quer ser presidente por querer. Eu já fui presidente.
O que estamos precisando, institucionalmente, é que o processo sucessório esteja estabilizado.
Folha - O senhor está sendo vítima do poder econômico?
Sarney - Não, eu estou sendo vítima da irracionalidade do processo partidário brasileiro.
Folha - Por que o senhor teria mais estabilidade do que o Fernando Henrique enfrentando o Lula?
Sarney - Se tivéssemos quatro candidatos já prontos, o processo estaria estabilizado. Mas, hoje, o que acontece? Veja a gravidade da crise que o país está atravessando.
Estamos com desestabilização no setor econômico, em situação de convulsão no setor social, com anarquia no setor político, com o Congresso num dos períodos mais baixos da sua legitimidade perante o país, estamos diante do fracasso da revisão e estamos em pleno processo sucessório.
A transferência do poder é traumática em qualquer lugar. Eu julgava que a minha participação dentro do PMDB seria importante.
Folha - O senhor vê possibilidade de uma erupção no país?
Sarney - Eu vejo aquilo que os franceses chamam de excesso de crises.
Isso leva à perspectiva de uma crise maior. O país está totalmente dividido. Não há consenso em nada. Estão todos contra tudo.
Folha - Essa questão da Polícia Federal, da intervenção do Exército, é uma tentativa de pacificação?
Sarney - É um dos indicadores de a que ponto chegamos na crise, com o envolvimento de forças policiais e forças militares.
Isso seria impensável num Brasil de dois anos atrás. No meu governo não houve uma protidão militar.
Isso é um processo grave, que não devemos desconhecer.
Folha - Mesmo inviabilizada a sua candidatura, o senhor continuaria participando do processo sucessório?
Sarney - Tenho a obrigação de participar, sendo candidato ou não.
Se continuar desta maneira, com um só candidato, e sem o candidato controlar o seu partido, e este partido querendo imobilizar os outros partidos, bloqueando o processo sucessório, isso é ruim para o processo. Tem que ter homem no Brasil, tem que ter líderes neste país que assumam a responsabilidade de participar.
Folha - O candidato petista, Lula, pode ser refém dos seus próprios aliados?
Sarney - O Lula tem que comandar o seu partido. Porque, na realidade, ele é o partido. O PT sem o Lula não existe, por mais que seus militantes pensem nisso.
Folha - Nesta questão social, há os "sem terras", os metroviários etc. O senhor acha que estes aliados podem ser mais um problema do que um auxílio?
Sarney - Isso é um problema, porque esses aliados passam a ser até fonte de estimular os adversários.
Folha - O Lula teria problemas de convivência com o Congresso?
Sarney - Ouvi hoje uma declaração que me assustou. Foi quando ele disse que não comanda o partido. Isso é um prenúncio de um caos político.
Se o candidato a presidente favorito nas pesquisas não comanda o seu partido, quem comanda? Como ele vai comandar o país? Como vai tratar com a oposição?
O problema de Fidel Castro e de Stalin é que não existem partidos, eles são os partidos.
Folha - O senhor coloca que há um candidato estabilizado que, no momento de governar, provavelmente se desestabilize. Há também um candidato desestabilizado. Pelo que o senhor diz, o Fernando Henrique ganha o voto das elites, mas não passa pela massa?
Sarney - Vamos dizer com toda a clareza. Estamos numa grave crise. A passagem do poder só se faz através de eleições e de candidatos. E este processo não está consolidado.
Folha - O senhor participaria da sucessão mesmo sem ser candidato?
Sarney - Vou participar de qualquer modo, apoiando ou como um ponto de referência. Enfim, exercendo uma parcela de liderança. E, talvez, não sendo candidato, possa exercê-la com maior força.
Folha - O senhor teria dificuldade de subir no palanque com Quércia?
Sarney - No PMDB, hoje, eu sou apenas um delegado à Convenção.
Folha - O senhor imaginou que teria chances contra Quércia na prévia?
Sarney - Pensei que o PMDB seria sensível ao fato político, mas cheguei à conclusão de que a máquina e a estrutura eram muito mais fortes do que a racionalidade. A estrutura partidária já tinha um candidato escolhido.
Folha - Como o senhor vê o chamamento dos militares em função deste possível caos?
Sarney - O Magalhães Pinto costumava dizer que Minas Gerais tem o grave senso da ordem. Acho que este grave senso da ordem têm sempre os militares.
As intervenções militares no Brasil têm sido feitas em função desse senso da ordem. De maneira que é sempre perigoso que se tenha que chamar os militares para a manutenção da ordem. Porque nestas coisas, para citar o presidente Castelo Branco, a gente sabe como começa, mas não tem noção de como termina.

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