São Paulo, terça-feira, 17 de maio de 1994
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Retrato da decadência

JANIO DE FREITAS

Em vez de vitorioso nas prévias do PMDB, na verdade Orestes Quércia foi declarado intolerável pela grande maioria das bases peemedebistas. Não há outra conclusão a tirar, apesar dos festejos e das notícias de vitória, de um resultado em que as abstenções, os votos brancos, os nulos e os 8% de Roberto Requião perfizeram a maioria absolutíssima de 62% de rejeição à candidatura de Quércia, concedendo-lhe apenas 38% de aceitação.
O resultado da prévia peemedebista retrata um aspecto ainda mais grave do que a farsa da vitória quercista. Este aspecto começa no fato de que em todo o enorme PMDB, só três lideranças (vá lá que sejam) se sentiram com esperanças de obter o apoio das bases. Destes, Sarney renunciou à disputa porque teria menos votos do que Quércia. Requião ficou para colher menos votos do que Quércia, e só a título de um pretenso combate a ele. E Quércia foi rejeitado por quase dois terços dos representantes das bases partidárias.
São, portanto, os próprios militantes partidários que denunciam, pela repulsa, a decadência das suas lideranças, em particular, e dos seus eleitos em geral. Não é só o eleitorado não-militante, vê-se, que condena a classe política atual.
Embora sob outra forma, o também gigantesco PFL não exprimiu a decadência política de modo menos eloquente. É verdadeiramente escandaloso que um partido de tais dimensões, com o domínio de tantos postos de comando no país inteiro, não disponha de um só membro em condições de disputar a Presidência da República. Nem se diga disputar com possibilidades de êxito, mas só de não fazer vergonha e, assim, favorecer a eleição de pefelistas para Senado, Câmara e governos estaduais. Aos pefelistas restou verem-se atrelados ao PSDB para ocupar, derradeira esperança, alguns ministérios com seus esgotados caciques.
Até que fatores ocasionais interviessem, a situação do PSDB não era muito melhor, no quadro da sucessão presidencial, que a do PMDB e PFL. Embora Fernando Henrique já se pretendesse candidato quando ocupava as Relações Exteriores, e Tasso Jereissati fosse sempre citado no noticiário como possível candidato, o grosso do partido considerava, com razão, só dispor de um nome com expressão além do território do poder econômico. Mas Mário Covas, com a memória do abandono, para não dizer traição, em que os companheiros de partido o deixaram na campanha de 89, não admitia senão candidatar-se ao governo paulista.
A gafe da nomeação de Eliseu Resende para a Fazenda foi o acaso providencial para o PSDB. Proporcionou-lhe uma solução artificial, mas bem-resultante. A candidatura de Fernando Henrique não nasceu do partido, nem foi a ele levada a partir do eleitorado. Foi feita por uma conjugação à margem do partido, entre os meios de comunicação e o uso político que Fernando Henrique fez, com a anuência de Itamar Franco, da sua presença na Fazenda. Por si mesmo, portanto, o PSDB não tinha ressonância no eleitorado da sucessão presidencial.
Misto de lascas do PFL com saldos de fim de estoque do PDS, o PPR foi erigido em torno das pretensões de Paulo Maluf. Esvaziadas as pretensões, o PPR não teve outra saída senão a de improvisar um candidato, retirando Esperidião Amin da perspectiva de voltar ao governo catarinense já no primeiro turno.
Nestas quatro situações da miséria político-partidária estão retratados, de uma parte, a elite que faz do Brasil o que ele é, e, de outra, o crescimento da consciência do eleitorado em relação à elite. Partidos não têm candidatos a oferecer em razão de sua própria decadência, mas também pela maior consciência pública de quem são os políticos.

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