São Paulo, terça-feira, 17 de maio de 1994
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Demônio de máscara

ENILSON SIMÕES DE MOURA

São terríveis as consequências da crise social que há anos assola este país. Terríveis para todos os brasileiros, mas sobretudo dramáticas para os trabalhadores.
Desemprego, baixos salários, caos completo nas áreas da saúde, da segurança e da educação pública. É um autêntico inferno a vida de milhões de brasileiros.
Sabemos disto, vivemos isto e, como sindicalistas, é esta a realidade que pretendemos eliminar. Fazemos parte daquela parcela de brasileiros que não perdeu a sua capacidade de se indignar. Sentimento este contra a omissão do Estado brasileiro, que ao produzir aço, combustível, nafta etc., ao se tornar o Estado empresário abandonou o brasileiro à sua própria sorte, destruindo-o como cidadão.
Nossos governos, em sucessivos períodos de demagogia, sustentados pela Constituinte de 88, pioraram este quadro. Foram planos mirabolantes, como congelamentos e confiscos e toda uma parafernália de medidas, em sua maioria antidemocráticas, que só agravaram a situação.
Estamos vivendo o desenvolvimento de outro plano econômico. Desta feita, seus mentores optaram por uma discussão no Congresso Nacional, optaram por não elaborá-lo com os defeitos provocados pela escuridão da noite e o submeteram aos deputados e senadores para corrigir-lhe as imperfeições. Planejaram corrigí-lo no Congresso Nacional com as influências das forças sociais e assim realizar a esperança de todo brasileiro sério: estabilizar a economia e retomar o desenvolvimento.
A Força Sindical reuniu a sua direção, analisou o plano, encontrou aspectos positivos (inclusive o fato de ser "plano" e não "pacote"), mas vislumbrou também perdas salariais.
Havia perdas, mas a nossa opção foi não ir a aventura. Decidimos que, por categoria, por empresa, iríamos buscar nossas perdas. Assim foi feito. Centenas de acordos foram assinados e quando não foi possível, buscou-se a decisão dos tribunais, dentro do mais contemporâneo espírito democrático. Isto também foi feito pela CUT, porém no pequeno espaço que esta central ocupa no setor produtivo, basicamente ABC paulista e Grande BH, Minas.
Já no setor público, onde majoritariamente as organizações sindicais são cutistas, a coisa é diferente. Aqui existe uma enorme massa de milhões de trabalhadores mal remunerados, mal treinados, sub utilizados, mas com estabilidade no emprego, sem riscos de punições, cujas organizações sindicais são cutistas e comprometidas com o mais exacerbado corporativismo, além de criminosas demagogias e irresponsáveis comportamentos por parte de seus dirigentes. É este um celeiro absolutamente fértil para crescer os germes que alimentarão o caos, como os de hoje –"companheiros combativos" da Polícia Federal (ontem, os algozes dos sindicalistas).
Somados aos sindicatos do setor público, os sindicatos dos sem-terra e rurais, são os segmentos mais fortes da CUT. Ou seja, dois terços.
Esta massa humana imensa será, como se vê, usada neste ano eleitoral para mascarar o demônio. É necessário torná-lo mais feio ainda. É necessário agravar a crise política e social e assim, pavimentar a via da demagogia petista. Se conseguirem um ou dois cadáveres, será melhor ainda.
A morte de uma professora, pisada por um cavalo do "ditador Fleury", seria ótimo, como também serve um sem-terra atirado por um tira "brizolista" em Porto Alegre. Ou quem sabe, os dois mortos, juntos, para combater este "plano neoliberal", o "FHC"?
No transporte, é simples. Basta realizar o "lockout" encomendado pelos empresários do setor. Assim combate-se também "este títere chamado Paulo Maluf". Provoca-se o caos na cidade, mesmo que isto signifique ampliar o sofrimento de milhões de trabalhadores, mas "o fim justifica os meios". O que não pode é perder a eleição. O que não pode é o Lula, João Amazonas etc., deixarem de chegar ao poder.
Neste vale tudo que começa com enorme radicalização, perderemos todos. Arrisca-se mesmo mais uma geração de brasileiros. É preciso mudar o rumo ou o pântano será inevitável.

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