São Paulo, quinta-feira, 19 de maio de 1994
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Moratória da dívida, uma solução?

ALCIDES S. AMARAL

As notícias veiculadas pelos jornais segundo as quais o PT estaria revendo seu posicionamento em relação à dívida externa merece algumas reflexões. Não como pertencente ao sistema financeiro internacional –mesmo porque não tenho procuração para defender os interesses dos bancos–, mas sim como brasileiro que acredita e quer um futuro melhor para este nosso sofrido país. E que, por ter participado diretamente das negociações da dívida externa recém concluída, tem a presunção de entender um pouco do assunto.
Gostaria, entretanto, de inicialmente desfazer algumas meias verdades que andam circulando por aí.
Os bancos ganharam sim com a implementação do acordo. O Brasil, ao invés de pagar apenas 50% dos juros devidos passou a honrar seus compromissos integralmente, isto é, pagar 100% dos juros. Ganharam em virar a página da crise da dívida externa que já se arrastava por quase 14 anos criando novas oportunidades de intermediação. E ganharam também em dar passo importante rumo a estabilização da economia brasileira. Pois quando tal acontecer, aí sim os bancos terão enormes oportunidades pela frente.
Com o Brasil reintegrado ao clube dos países em franco desenvolvimento, um verdadeiro "tigre" da América Latina, com a economia crescendo e os canais de comunicação com o mundo desobstruídos, o comércio exterior passará a ser algo que a oitava economia do mundo representa e não os ridículos 1% que temos hoje. E os bancos estarão por aí fazendo elos, intermediando, financiando, enfim crescendo juntos.
Questionam ainda alguns que os benefícios para o país foram modestos. De início é bom que se frise que o acordo brasileiro não fica nada a dever àqueles do México e Argentina. Se queremos nos comparar com Nicarágua, Bolívia etc., aí a conversa é outra.
Obtivemos de imediato redução de US$ 4 bilhões da dívida e outro tanto é estimado ao longo do tempo (o acordo vai até 30 anos) pelo diferencial das taxas de juros que o Brasil terá de pagar em relação àquelas praticadas no mercado internacional em papéis do mesmo prazo.
Com as garantias aportadas para o "discount" e "par bonds" (cerca de 68% do total da dívida de cerca de US$ 33 bilhões negociada com os bancos privados internacionais) e os restantes US$ 240 milhões que deverão ser entregues nos próximos dois anos estaremos, na prática, quitando antecipadamente o principal desse significativo percentual. Como os títulos entregues tem os juros (hoje superiores a 7% ao ano) capitalizados até o seu vencimento (30 anos), a única preocupação do Brasil daqui para frente será de pagar os juros destes "bonds".
É importante relembrar, ainda, que cerca de 20 bancos entraram com dinheiro novo (títulos que o Brasil terá 15 anos para pagar com juros de Libor mais 7/8 de 1 % ao ano) num montante que surpreendeu as expectativas, pois foram superiores a US$ 350 milhões. Restarão, pois, perante os bancos privados internacionais 32% do principal da dívida a ser pago além dos juros contratuais.
Isto significa, portanto, que com o acordo da dívida externa nossos problemas estão superados e os financiamentos internacionais voltarão correndo para o país. Mais uma vez uma meia verdade que precisa ser melhor esclarecida.
Em todos os acordos tipo Brady Plan efetuados até aqui o roteiro foi invariavelmente o mesmo. Programa interno de estabilização da economia, acordo com o Fundo Monetário Internacional, em seguida acordo com os bancos –destes que estamos falando– e, finalmente, o reingresso dos financiamentos de longo prazo via os organismos e agências governamentais (Banco Mundial, BID, Coface, Eximbank etc).
No nosso caso tivemos um Brady à brasileira. Com uma inflação acima dos 40% ao mês e sem o acordo com o Fundo Monetário Internacional (o que representa para a comunidade financeira internacional que o país está no rumo certo, ajustando os desequilíbrios da economia e do setor público etc.), os bancos decidiram implementar assim mesmo o acordo, a meu ver, por algumas razões básicas, a saber:
1 – o Brasil se predispôs a utilizar parte de suas reservas internacionais, como "bridge", para possibilitar as garantias necessárias pois sabe que elas serão recuperadas na medida que o trabalho de casa for efetuado;
2 – tudo que foi combinado com o sr. Pedro Malan desde o início dessas negociações (agosto 1991) foi cumprido;
3 – este acordo, diferentemente dos demais, tem o selo do Senado brasileiro. Não é um acordo do ministro "a" ou "b", mas sim um compromisso do governo constituído de Brasil na medida que o Senado Federal, como instituição, esta aí para ficar. E é por esta razão que sobreviveu, inclusive, ao impeachment do presidente Collor.
Portanto, dado este passo importante, resta-nos ainda a implementação do real com os resultados positivos que esperamos venham a trazer para o país e aí, quase como consequência, o acordo com o Fundo Monetário Internacional.
Isto feito as portas para financiamentos de longo prazo que estiveram quase ausentes nos últimos anos voltarão ao Brasil. De receptores de 28,6% de recursos públicos externos em 1980, caímos para quase 13% em 1991 quadro agravado quando sabemos que desde 1989 o fluxo destes recursos passou a ser negativo, isto é, pagamos mais do que recebemos.
Somos a oitava economia do mundo, com um setor privado forte e competitivo, um imenso mercado de consumo, mas com o setor público desajustado. Isto feito –e é esta batalha pela qual estamos passando–, qualquer administrador mais ou menos avisado saberá para que país redirecionar seus investimentos.
Tudo isto para dizer que, num contexto como este, falar em moratória, contestação do acordo etc., é ficar onde estivemos nos últimos 12 anos em relação a comunidade financeira internacional. Que o Brasil acabou pagando juros demais no passado pela subida das taxas internacionais, é verdade. Só que esse dinheiro não foi para o bolso dos bancos e sim dos investidores que também receberam as mesmas taxas elevadas. Como o banco vive de "spread" (diferença entre a taxa de captação e de aplicação), com os juros mais altos os bancos também pagaram uma parte da conta visto que os investidores receberam seu dinheiro de volta integralmente.
Afirmar que o Brasil precisa crescer, criar novas oportunidades de emprego, redistribuir melhor sua renda e efetuar investimentos nas áreas sociais (saúde e educação especialmente) são verdades que ninguém contesta. Temos uma imensa dívida social que precisa ser paga. Para que isto aconteça, entretanto, são necessários pesados investimentos os quais o nosso setor público ainda não possue condições de fazê-lo.
E para que o dinheiro volte ao Brasil –aquele que realmente interessa e não apenas o "smart money" que é o dinheiro de curto prazo que basicamente arbitra taxas de juros e oportunidades de ganhos de curto prazo– uma condição é fundamental: regras estáveis.
Portanto, como brasileiro que aqui está para ficar e que acredita que ainda veremos um Brasil de quem podemos nos orgulhar, espera-se que o bom senso prevaleça. Seja qual for o presidente da República –não apenas nos próximos quatro anos mas nas próximas décadas– que o bem-estar do povo brasileiro seja colocado em primeiro lugar sobrepondo-se a qualquer outro tipo de interesse.

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