São Paulo, quinta-feira, 19 de maio de 1994
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Jobim e a unanimidade covarde

LUÍS NASSIF

Períodos de exacerbação popular –como do impeachment de Collor ou do escândalo do Orçamento– têm seu lado positivo, de afirmação da cidadania. Mas tem seu lado negro, que é o de permitir o afloramento de sentimentos menores, de pessoas que de medrosas passam a valentes, fortalecidas pela unanimidade. Nem sempre a unanimidade é burra, mas quase sempre é covarde.
O deputado Nelson Jobim (PMDB-RS) é uma das grandes expressões do Congresso, não só por seu conhecimento jurídico, como por sua coragem individual. Nunca se aliou a grupos políticos, nunca abriu mão de convicções pessoais para atender a conveniências políticas e eleitorais. Nunca procurou se mostrar simpático a eleitores e a jornalistas.
No processo de impeachment de Collor, comportou-se dentro de um rígido formalismo legal, não aprovando a maneira como o presidente foi afastado. O que tinha a ganhar? Nunca se soube que mantivesse relações com o governo. Jamais se ouviu falar que ambicionasse cargos no Executivo.
Podia-se discordar de sua posição –a coluna discordava. Não podia deixar de se reconhecer a postura, tão rara neste país de pigmeus públicos, de se expor exclusivamente pelo compromisso com suas próprias convicções pessoais, num momento em que alguns dos maiores malandros do país –alguns deles cassados posteriormente– exibiam seu voto pelo impeachment da maneira mais deslavada possível, tentando tirar vantagens de um momento cívico.
Com a revisão constitucional ocorreu o mesmo. Jobim foi politicamente pouco eficiente, centralizando os trabalhos? É possível. Mas nesse período reuniu-se com as forças mais comprometidas com a modernização do país, investindo contra todos os fatores de atraso e de loteamento do poder público, não poupando nenhum privilégio não subordinado à cidadania, partisse do Poder Judiciário, do Ministério Público Federal, de Câmaras de vereadores, de juízes classistas.
Para discutir a nova legislação trabalhista, Jobim aceitou reunir-se em segredo com algumas das principais lideranças da CUT e da Força Sindical, que sabiam da importância das mudanças, mas não queriam se expor perante suas bases, devido ao patrulhamento primário encetado pelos "pais" da sociedade civil. De público, suportou as piores acusações contra sua pessoa, muitas delas partindo de setores radicais do próprio sindicalismo, sem jamais ter revelado seus encontros.
Agora, no episódio do julgamento de Ricardo Fiuza, novamente abriu mão de conveniências políticas em favor de seu rígido formalismo legal. Mais uma vez a coluna discorda de sua posição. Mais uma vez admira sua capacidade de se expor de peito aberto, tendo tudo a perder, nada a ganhar, apenas por compromisso com seus princípios. A saída de Jobim da política, se concretizada, será uma perda imensa à dignidade da vida pública.
A crise da aviação
Ou o governo livra-se do DAC (Departamento de Aviação Civil), ou vai restar apenas o Departamento, sem aviação civil.
O DAC caracterizou-se historicamente por ser um imenso cartório, impedindo a competição e permitindo que grandes grupos fossem criados em cima de um protecionismo castrador e antimodernizante e pouco transparente.
Com o governo Collor, aceitou ser cúmplice de uma abertura pouco criteriosa do mercado brasileiro, tendo em vista não um plano estratégico de modernização do setor, mas abrir espaço para a aventura da Vasp.
Quando a Vasp entrou em crise, não faltaram os avisos de que tratava-se de uma crise estrutural da aviação nacional que, se não tratada a tempo, inevitavelmente se estenderia para outras empresas. No entanto, uma proposta de discutir seriamente a questão no âmbito da Câmara Setorial foi torpedeado pelo DAC e pelo Ministério da Aeronáutica, sob o argumento de que já dispunham de diagnóstico sobre a questão. Apenas não queriam perder o cartório.
Na ocasião, a única iniciativa do DAC foi uma proposta imoral, de o Tesouro bancar um aporte de mais de US$ 500 milhões à empresas. Agora tem-se a maior companhia da América Latina –a Varig– em situação dificílima. Com exceção da TAM, as demais também não estão bem das pernas. E o DAC –e a própria Varig– continuam arredios a uma discussão aberta sobre o tema.
Ou se anula esta influência nefasta, e se aceita a proposta da Associação dos Pilotos, de reativar a câmara setorial, discutindo seriamente a política para o setor, sem paternalismo e sem reivindicar recursos ao Tesouro, ou em breve terá de optar entre enterrar a aviação civil brasileira, ou abrir as burras do Tesouro ao setor.

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