São Paulo, quinta-feira, 19 de maio de 1994
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Huppert encarna paixões insatisfatórias

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Duas mulheres do século 19, duas paixões insatisfatórias, duas tragédias distintas –e a mesma atriz representando-as.
O lançamento em vídeo de "A Dama das Camélias" e "Madame Bovary" é chance única para examinar o talento de Isabelle Huppert, maior atriz francesa viva.
"Madame Bovary" (1991), dirigido por Claude Chabrol, é um grande filme e, das duas interpretações, tem o melhor de Huppert.
É a melhor adaptação do clássico escrito por Flaubert em 1856. As outras, de Vincente Minelli (1949) e Jean Renoir (1934), não têm a mesma consistência.
Chabrol foi acusado de fazer um filme frio, com uma Emma Bovary quase inexpressiva. Mais, foi acusado de, como "autor", estar irreconhecível. É preciso desconhecer completamente Flaubert para cometer essas acusações.
Chabrol se propôs o projeto flaubertiano: fazer uma obra de arte que independa do subjetivo, em que a "coerência interna" do estilo seja o sustentáculo.
Conseguiu parcialmente, mas a coragem não é seu único mérito. Huppert, claro, é seu maior trunfo, com sua atuação contida, enigmática, e sua beleza não-vistosa.
Mas cinematograficamente o filme tem achados magistrais. Uma das cenas destacáveis é aquela em que, depois de fazer amor no bosque com Rodolphe, Emma acompanha com os olhos a câmera que sai dela e sobe ao céu, e por poucos segundos uma ária de ópera é tocada. Sem excessos.
O poder de sugestão de Chabrol está não só nesses pequenos "insights", mas também na leitura da personagem central. Está ali a pergunta básica: Emma é consumida pela paixão que sente por aqueles homens, ou não é bem isso?
Aqueles homens são ridículos: o marido, os amantes, todos. Por sinal, o principal defeito do filme é acentuar demais isso. Resvala no caricatural no caso do marido, Charles. Mas Emma-Huppert é o filme, o que qualifica a adaptação de Chabrol como indispensável.
Já em "A Dama das Camélias", de 1980, Mauro Bolognini não ajusta a figura de Alphonsine Plessis (Huppert) ao fundo trágico descrito por Alexandre Dumas (filho). Huppert está algo chocha para uma história que, ao contrário da de Flaubert, busca comover.
Emma é uma burguesa que tem tudo, menos paixão plena. Já Alphonsine é pobre, prostituída e tuberculosa. Huppert não funciona muito como Plessis.
Mas vale a pena ver essa produção franco-italiana, com grandes interpretações de Gian Maria Volonté, Bruno Ganz e Fernando Rey e a bela música composta por Ennio Morricone.
E o filme tem cenas de grande impacto dramático, desde a do sucídio do padre até a da morte de Alphonsine nos braços do pai.
Huppert lembra Sarah Bernhardt (1844-1923), a atriz francesa cujo encanto pessoal se somava ao talento profissional.
Como Sarah, é ruiva, clara, bonita e tem bela voz. Mas Sarah atuava com fervor; Huppert é menos expressionista, mais quieta –contemporânea. Dama das Camélias talvez seja um papel muito romântico para ela.

Título: Madame Bovary
Direção: Claude Chabrol
Lançamento: United Films (tel. 011/295-4020)
Título: A Dama das Camélias
Direção: Mauro Bolognini
Lançamento: Paris Filmes (tel. 011/864-3155)

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