São Paulo, quinta-feira, 19 de maio de 1994
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A fuga de Lula

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Ainda bem que a expressão "politicamente correto" ficou desmoralizada. Ela contém aquilo que, na lógica aristotélica, é tido como "contradição entre os termos". Ou seja, um termo nega o outro –poupo o leitor da citação em latim. Mas dou um exemplo: é como dizer "invisivelmente visível" ou "solidamente líquido".
A atitude de Lula negando-se a um debate com FHC é politicamente correta. E bota correta nisso. Em 1989, ele esperneou contra Collor, que não desejava se submeter ao desgaste de debater com candidatos mal colocados nas pesquisas. A situação agora é outra e nada mais natural que ele invoque o precedente: não dará colher de chá para os adversários. Pelo menos enquanto estiver perto de alcançar a maioria absoluta nas intenções de voto.
Além do mais, esse tipo de debate prévio é inútil. Serve para transformar a eleição num gigantesco programa de auditório para se saber quem vai para o trono. Ou que nota o júri dará ao candidato que comeu uma lâmpada ou à dona do papagaio que sabe cantar o "Nessun Dorma". Dificilmente Lula convencerá FHC e vice-versa. E os eleitores de um e de outro ficarão na mesma.
Lula acusou FHC de estar nervoso. Procede: o candidato tucano está sentindo a barra. As piores críticas que vem recebendo são dos próprios aliados. Mas Lula também está nervoso, afobando-se em armar uma aliança eleitoral que torne desnecessário o segundo turno. Politicamente correto, ele quer meter a mão na massa já no primeiro turno e, para isso, está armando aquilo que o PT costuma chamar de "arco". Aceita trânsfugas de todos os lados, apoios de todas as origens, maculando a vestalidade do partido. Diga-se, a bem da verdade, que Lula é bem melhor do que o PT e não gosta de se apresentar como vestal. Ele tem a cara do brasileiro comum, do brasileiro que nunca foi eleito presidente da República. O diabo é que, de tanto andar com xiitas, pode acabar se parecendo com eles.

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