São Paulo, sexta-feira, 20 de maio de 1994
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Steven Berkoff mostra seu teatro físico

ANA FRANCISCA PONZIO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Há boas expectativas sobre o espetáculo "One Man", que o inglês Steven Berkoff apresenta de amanhã até segunda-feira no teatro Ruth Escobar, como mais uma atração do 4º Festival Internacional de Artes Cênicas.
Ator, diretor, dramaturgo e poeta, Berkoff realiza o chamado teatro físico. Sozinho em cena, ele se multiplica em personagens, cria ambientes e situações, mudando e moldando formas.
Formado em teatro e mímica em Paris, onde estudou com mestres como Jean-Louis Barrault, Etienne Decroux e Marcel Marceau, Berkoff participou de diversas companhias de repertório antes de desenvolver uma linguagem própria, considerada original, irreverente e provocativa.
Autor de 18 livros (entre peças teatrais e poesia), Berkoff também tem atuado no cinema. Embora já tenha participado de filmes como "A Laranja Mecânica", "Barry Lyndon" e "Octopussy", acha o cinema um processo governado por muitos idiotas e controlado pelo dinheiro.
"Para mim, o teatro é o meio mais puro de comunicação", afirmou em entrevista exclusiva à Folha.

Folha – Quais os recursos que você utiliza em seus espetáculos?
Steven Berkoff – Não utilizo recursos exatamente originais. À medida que aprendo uma peça, tenho a tendência de atuar fisicamente. É quase compulsivo, para mim, atingir a expressão através do corpo. Fui treinado em técnicas de expressividade corporal.
A partir do momento que descubro um personagem, tento dar uma forma visual a ele, como se eu fosse um pintor e estivesse pintando a cena com meu corpo.
Folha – A mímica e o movimento estão acima das palavras?
Berkoff – São três linguagens que eu procuro utilizar em conjunto. Quando trabalho com outros atores, peço que procurem transmitir os sentimentos primeiro através do corpo, antes de expressar qualquer coisa pela palavra.
Com isso, o público pode saber o que sinto antes que eu comece a falar. Às vezes posso exagerar, como um cartunista ou um satirista, fazendo um comentário, uma crítica ou análise específicas sobre o que estou fazendo.
Folha – Essa maneira de atuar contribui para extrapolar a narrativa?
Berkoff – O poder da linguagem falada é importante e quando não existe o público sente falta da narrativa. Mas a narrativa faz com que as pessoas fiquem concentradas nas palavras, e isso torna as mentes sonolentas, porque estão privadas de diferentes estímulos, porque mente e olhos estão vendo o que os ouvidos escutam.
O teatro não possui a narrativa de um filme que, ao mesmo tempo que atores dialogam mostra também paisagens, outras coisas acontecendo. Tento atuar como se estivesse fazendo um filme.
Descrevo os elementos, a atmosfera, me transformo em outros personagens. À medida que não faço um trabalho realista, posso mudar as formas.
Folha – Qual o tema que une os três monólogos de "One Man"?
Berkoff – A obsessão. Embora se chame "One Man", reúne três peças sobre três homens. A primeira, "The Tell-Tale Heart", é sobre conto de Edgar Alan Poe, e fala de um homem obcecado pelo olhar diabólico de outro homem.
As outras duas são de minha autoria. A segunda, "Actor", é um esquete sobre minha vida como ator. É sobre a obsessão de ser reconhecido, alguém que tenta encontrar uma justificativa para a própria vida.
"Dog", a terceira, é sobre o poder do fascismo primitivo. Seu personagem é um homem de classe social baixa, que vive bebendo num pub, é ligado em futebol e num cachorro.
Folha – Você atua com um cão em cena?
Berkoff – Não, eu faço também o papel do cão.
Folha – Você costuma se inspirar em autores como Kafka e Poe. Há uma gama específica de escritores que você associa a seu trabalho?
Berkoff – Não exatamente. O único que já me inspirou várias produções é Shakespeare. Venho realizando peças sobre Shakespeare não muito na Inglaterra mas em outros países da Europa, especialmente na Alemanha.
Isso porque na inglaterra há uma idéia muito simplista sobre a encenação de Shakespeare. Lá a tendência é se basear em formas tradicionais, em representações realistas e naturalistas e tudo isso, para mim, está morto.
Folha – Você faz alguma relação entre Shakespeare, Poe e Kafka?
Berkoff – Poe é essencial e, como Kafka, muito imaginativo. Ambos são extraordinários e, como Shakespeare, criam um mundo próximo do inconsciente, próximo de Freud e Jung e é ai que eu me identifico. Em meu trabalho, procuro expressar certos estados da mente.
Folha – Na inglaterra você tem um público específico...
Berkoff – Sim, tenho um público atraído pelo teatralidade específica de meus trabalhos, algo que não se vê na televisão. Acho que provoco experiências num nível primitivo, no sentido de emoções simples. A classe média não costuma se interessar pelo que faço.
Os que vêm ver meus espetáculos têm a expectativa de conhecer algo novo, em termos de texto, direção e atuação.

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