São Paulo, domingo, 22 de maio de 1994
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Detalhes nada pequenos

JUNIA NOGUEIRA DE SÁ

Nesta quarta-feira, a seleção brasileira embarca para os Estados Unidos e começa a campanha pela conquista, quem sabe, de um tetra. A imprensa está entusiasmada (de novo) com essa possibilidade, e o espaço ocupado pelo assunto nos jornais, na TV e no rádio cresceu na última semana. Até a "Veja" sucumbiu, e circulou com Romário, o craque "casca grossa" (como a revista chamou), na capa. Há um clima de "vai lá, Brasil" no ar.
Retomei a pasta que guarda as colunas dos ombudsmen que me antecederam aqui e encontrei uma de Caio Túlio Costa, publicada em 8 de julho de 1990, em que ele faz uma pequena análise de como a Folha cobriu a Copa daquele ano. Caio lembra que, criticada e ironizada pela introdução das estatísticas na Copa de 86, a Folha foi largamente imitada em 90, quando os números viraram sensação nos jornais e na TV, especialmente. "O jornalismo brasileiro descobriu um bom aliado para embasar textos analíticos, um ajudante para comentários e conclusões", escreveu ele.
Mais quatro anos se passaram, e os números traduzidos em quadros, tabelas e gráficos recheiam a maior parte das reportagens de esporte em toda a imprensa (há até uma certa obsessão por eles que alguns leitores da Folha criticam). Números, portanto, não são mais novidade. Ocorre, então, que a imprensa precisa encontrar um diferencial nesta cobertura, para que os jornais, as revistas, os programas de rádio e de televisão não pareçam "todos saídos de uma mesma redação", como escreveu um leitor na semana passada (publiquei sua carta aqui), a respeito da cobertura da morte de Ayrton Senna. O que fazer?
A resposta, imagino eu (e alguns leitores com quem conversei concordam), está nos detalhes. Eles vão fazer a diferença. Quer um exemplo? Semana passada, os quatro maiores jornais do país, mais o "Jornal Nacional" da Rede Globo, dedicaram um bom espaço para o acompanhamento dos testes físicos que os jogadores estavam fazendo. A julgar pela importância que deram aos tais testes, e pela quantidade de repórteres destacados para cobrir o assunto, eles devem ser fundamentais para a escalação do time, a definição das táticas e o sucesso da seleção nos EUA, certo?
Aos leitores, entretanto, poucos detalhes foram oferecidos. Desde a terça-feira, quando começaram os testes e a Folha noticiou na Primeira Página, insisti na crítica interna que o leitor precisava saber o que são eles, como são aplicados, o que medem, para que servem e que respostas dão. O jornal fez suspense, ainda que tenha dedicado nada menos que três capas do caderno de Esporte aos testes da seleção. Na quinta-feira, apareceu uma pequena reportagem também em Esporte, que contava superficialmente o que eram os testes e qual o desempenho esperado neles. Outros jornais nem isso fizeram. Na verdade, fizeram todos as mesmas reportagens, que pareciam saídas da mesma redação.
Na sexta-feira, terminada a euforia com os testes físicos, a Folha publicou reportagem com chamada na Primeira Página dizendo que "Dieta da seleção é criticada". O texto informava que a recém-contratada nutricionista, uma moça que não sabe se vai aos EUA com o time nem se tem força para alterar hábitos antigos dos atletas, criticava genericamente a introdução do paio, da carne-seca e do toucinho nas refeições, quaisquer refeições. A mesma reportagem deixava claro que a moça não tinha notícia de que paio, carne-seca e toucinho já estão embalados, prontos para viajar com os craques para os EUA.
O que foi que a reportagem não deu aos leitores? Detalhes, de novo. Começou e terminou sem dizer o que comem os atletas, como comem e por que comem –ou ainda, quem decide o que eles comem. Começou e terminou sem explicar por que razão a seleção, quando viajar na quarta-feira, vai levar 1,5 tonelada de comida de casa. O leitor ficou sem saber, mais uma vez.
A cobertura está no início, e há tempo de corrigir essas falhas. A Folha está preparando um caderno especial para acompanhar a seleção na Copa, e ele envolve o maior investimento já feito pelo jornal num único evento. Uma das coisas que se vai tentar é fazer com que as reportagens da Copa sejam atraentes mesmo para quem não gosta, ou não entende de futebol. Talvez esse seja o grande mérito da cobertura esportiva que fazem jornais e TVs americanos: eles se preocupam com uma dimensão, digamos, mais mundana do atleta e do esporte, e mesmo dentro de uma concepção de espetáculo transformam os jogadores em gente de carne e osso, com desejos, vontades e humor. E se são pródigos em estatísticas (de onde o leitor acha que a Folha tirou a idéia?), são também pródigos em histórias humanas, em informações complementares, em dados técnicos, em bastidores, em memória, em detalhes. Porque são eles, os detalhes, que fazem a diferença.

Acontece que não é só no caderno Esporte, nem apenas na cobertura da Copa que faltam detalhes no jornal. Como fiz há uns dois meses, quando propus aos leitores a "lição de casa" de encontrar e enviar à ombudsman os piores títulos do jornal (recebi dezenas de exemplos, todos eles encaminhados à Redação para análise e providências), renovo o convite. Que tal identificar na Folha os detalhes que ficaram de fora das reportagens? Aqueles que deixaram você, leitor, sem explicações importantes, e muitas vezes fundamentais para compreender a notícia. Anote os casos mais graves e mande para a ombudsman. Semana que vem, volto ao assunto.

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