São Paulo, domingo, 22 de maio de 1994
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Juizados para grandes causas

JOÃO ROBERTO EGYDIO PIZA FONTES

Quando a Constituição de 1988 reconheceu o advogado como "indispensável à administração da Justiça", o que se estabeleceu não foi a mera defesa dos interesses de uma corporação profissional. O grande e nobre objeto desse mandamento, em verdade, é a garantia inequívoca de respeito aos direitos do cidadão, que o exercício da advocacia afiança.
A pretexto de apressar os serviços judiciários e desafogar os tribunais, instituiu-se, em 1984, o chamado Juizado de Pequenas Causas –que dispensa o patrocínio advocatício. Na prática, esses juizados acabaram abarcando casos que, normalmente, não chegavam ao Judiciário. E não contribuíram, portanto, para desatulhar o sistema.
Os mais sábios cidadãos, diante das formas e ritos judiciários, necessitam de intérpretes para entender a linguagem forense. Até porque não se trata apenas de um jargão. As palavras amparam séculos de conhecimentos e idéias amadurecidas em que se delineou o arcabouço dos direitos individuais e coletivos, cuja salvaguarda demanda, por evidente, uma defesa técnica.
A Justiça que dispensa o advogado retroage aos padrões hamurábicos, onde a sentença emergia, exclusivamente, da faculdade do soberano ouvir e decidir solitariamente.
Para os mencionados juizados, adotou-se o critério subjetivo e discriminatório do valor da causa. Para quantos brasileiros uma causa de 20 salários mínimos é pequena? Com certeza, para poucos. Então, por que não envolver as chamadas pequenas causas com as garantias das demais, se o que sempre está em jogo é o valor ético dos direitos a serem resguardados?
Cristalizou-se uma estrutura em que a preocupação com a pressa ficou à frente da preocupação com a Justiça. Um passo adiante seria, talvez, para alguns, a dispensa da fase instrutória ou do juiz de direito, para que as pessoas resolvam entre si seus conflitos, retrocedendo-se, inexoravelmente, aos padrões hamurábicos de Justiça.
É comezinho o entendimento de que a norma legal pretéria, para se encaixar no tecido constitucional vigente, há de se imiscuir nele, para que seja interpretado sem arestas e em harmonia irretorquível. É inconstitucional uma Justiça que não esteja composta por todos os seus pilares essenciais, posto que o advogado, pela própria Constituição, é indispensável à administração da Justiça, à luz do que dispõe o seu artigo 133.
Na mesma Carta em que se insculpiu o referido artigo, inscreveu-se o inciso I do artigo 98, que expressa a obrigatoriedade de instituição de Juizados Especiais "para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo"...
Sábio o legislador constituinte que, em vez de discriminar causas por seu valor econômico, estabeleceu a distinção pela complexidade delas. Para causas mais simples, ritos singelos. Para causas complexas, instrumental adjetivo –priorizando-se o bem jurídico em questão e não o valor da causa. Na área penal, sob o mesmo critério, separou-se o joio do trigo. Para infrações penais menos graves, procedimentos simples e julgamento célere. Para as demais, um regime processual mais rigoroso.
A Carta Magna expressa a prevalência da eficiência, sem prejuízo da sensatez.
O país não precisa apenas de uma Justiça mais ágil que a atual. Precisa também, e principalmente, de uma Justiça mais eficaz. Os juizados especiais referidos no artigo 98 podem dar à sociedade a contribuição que os de pequenas causas não deram. Esse avanço, contudo, ainda depende de sua regulamentação.

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