São Paulo, domingo, 22 de maio de 1994
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É preciso pensar muito para tomar partido

WALTER CENEVIVA
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Foi uma semana de adotar decisões políticas, de tomar partido. No plano jurídico, o Supremo Tribunal Federal ampliou as perspectivas eleitorais dos pequenos partidos, permitindo-lhes até que lancem candidatos aos cargos do Executivo, mas sem acolher o pedido de adiamento das eleições ou de ampliar ou modificar o calendário eleitoral decorrente da lei vigente. No plano político, consolidaram-se alianças, excluíram-se candidaturas.
Quando pensei nessas realidades e utilizei a expressão "tomar partido" fui ler o artigo 17 da Constituição, pelo qual é livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados preceitos que a Carta Magna estipula.
"Tomar partido" nada tem a ver com ingressar numa agremiação política com a finalidade preponderante de ser escolhido candidato dela para a presidência da República. Consiste na opção livre do cidadão de ingressar ou não ingressar na agremiação. Em meu livro "Direito Constitucional Brasileiro" (Saraiva, 2ª edição) chamo "partido político" a organização regular, composta por eleitores, unidos pelo objetivo de conquistar pelo voto e exercer o poder, mantê-lo, por todos os meios a seu alcance. Até aí tudo é simples. Nasce, porém, a complicação quando se pensa que o pluralismo constitucional é causa de confusão terminológica.
Examinando as palavras "tomar" e "partido" individualmente, nas acepções verbais, chega-se a curiosidades que são a um só tempo linguísticas e políticas. "Partido", como particípio passado de partir, tanto pode ser o que se foi, quanto o que se quebrou. Voltando olhos para a história constitucional e política de nosso país é fácil de lembrar quantas são as agremiações que conjugaram "partir" com as duas acepções indicadas, muitas vezes porque seus seguidores, em vez de quererem o bem público, quiseram "tirar partido" (ou seja, colher vantagem da posição política conquistada). Mas, o leitor não se iluda: "partido" é vocábulo que define doze realidades diferentes. Se duvidar consulte o Morais, o Aurélio ou outro dos bons dicionários. O "Zingarelli" italiano registra oito variações para "partito". Em espanhol, elas chegam a uma dúzia, com a mesma grafia portuguesa.
"Tomar" é verbo que muitos sobas da organização política brasileira conjugam significando apenas dominação. Os antigos "coronéis" da história ingressavam em partidos para, nesse sentido, tomá-los; geralmente em nível local ou estadual. Para eles, preceitos hoje indicados na Constituição (caráter nacional, prestação de contas, funcionamento parlamentar de acordo com a lei) jamais impediram o controle da "máquina" partidária. A Justiça Eleitoral sempre soube disso. O povo sabia disso. Todavia, os critérios de verificação eram formais. Ninguém se interessava pela substância do direito envolvido.
O Aurélio registra 28 acepções para "tomar". Uma delas, porém, merece atenção especialíssima dos cidadãos: se o povo, enquanto conjunto da cidadania responsável, não tomar cuidado (no sentido de mostrar cautela) nas próximas eleições, correrá o sério risco de ser, mais uma vez, enganado. Gerará outro risco igualmente sério, o de fazer partir (com todos os significados possíveis) a própria democracia.

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