São Paulo, domingo, 22 de maio de 1994
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Taxa de até 101% ao ano inibe o consumo

Poupador deve optar por remuneração de até 6% ao mês

NILTON HORITA
DA REPORTAGEM LOCAL

O paraíso do consumo do Plano Cruzado, de 1986, não vai se repetir depois da criação do real. Será hora de ganhar dinheiro guardando dinheiro.
A expectativa conservadora dos analistas em relação ao juro real é de algo como 5% ou 6% ao mês, ou seja, 80% ou 101% ao ano, respectivamente.
O Brasil será o país com o juro real mais alto do mundo. Na época do Cruzado, o automóvel foi o ativo que mais ganhou da inflação, com alta real de 85,10%.
Todas as aplicações financeiras, por sua vez, tiveram rendimento negativo, com exceção apenas da poupança, que valorizou 6,05%.
"Houve o erro de manter o juro muito baixo no Cruzado", afirma Ricardo Taboaço, diretor do Banco Icatu. "Apagaram fogo com gasolina."
O resultado foi um prêmio para quem consumiu e aplicou em ativos reais e prejuízo para os poupadores.
O juro alto no fase inicial do real será aplicado como fator de correção ao fracasso do Cruzado.
"Muitos executores do real estavam entre os que conceberam o Cruzado", lembra George Bezerra, diretor do Banco Fonte. "Agora, a expectativa é a de que vamos viver num país com o juro mais alto do mundo."
As comparações entre Cruzado e o Plano Real são inevitáveis por serem obras dos mesmos autores. Ajuda a planejar o que fazer com o dinheiro.
"Tiram-se muitas lições para o cidadão tomar posições de investimento a partir de julho", afirma Paulo Mallmann, diretor financeiro do BMC.
A principal delas: não esperar facilidades na área de consumo e para o investimento especulativo.
"Não será o paraíso das compras nem do telefone, carro ou black", prevê Carlos Fagundes, diretor financeiro do Banco Itamarati.
O conselho dos analistas é, ao contrário do que foi feito no Cruzado, guardar dinheiro e consumir depois.
Se o juro real for de 6% ao mês, o valor depositado dobra depois de um ano. Com inflação baixa, os preços vão crescer bem menos que o juro.
Teoricamente, o cidadão que guardar dinheiro em julho ao invés de comprar um geladeira, estará comprando duas geladeiras em julho de 1995.
"O país hoje está aberto às importações e o governo pode trazer produtos de fora se houver problemas como o ágio", diz.
Os especialistas abrem uma concessão para as Bolsas de Valores. Segundo Ricardo Taboaço, há chances de valorização.
Ele lembra, porém, que o dinheiro destinado para o mercado acionário deve ser aquele da aposentadoria, uma pequena parte do patrimônio.
"Se eu souber que vou precisar do investimento em três anos, eu não aplico", afirma. "Vai ser um período de solavanco nas cotações."
A poupança, por sua vez, será protegida. Os autores do Cruzado garantiram o ganho real em 86 e devem fazer isso de novo.
O estoque da caderneta era de US$ 22 bilhões em fevereiro e fechou o ano com os mesmos US$ 22 bilhões, depois de uma perda inicial de US$ 2 bilhões.
"Houve um aumento do consumo via juro baixo e mesmo assim a poupança foi preservada, o que deverá acontecer de novo", imagina Walter Kuroda, diretor do Banco Nacional.
O dólar, enquanto isso, será um ativo que vai sobreviver de momentos de maior procura às vésperas das eleições presidenciais e imediatamente antes do real.
"Será besteira comprar nestes momentos", aconselha Nathan Blanche, presidente da Anoro (Associação Nacional de Câmbio e Ouro).
Segundo ele, quem tiver receio de um eventual governo de esquerda, deve se lembrar que a posse será apenas em janeiro do ano que vem.
"Até lá, quanto menos especulativo melhor", afirma. "O cruzeiro vem ganhando do dólar há quatro anos e vamos completar o quinto, sem dúvida."

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