São Paulo, domingo, 22 de maio de 1994
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Estabilização e reformas

JOÃO PAULO DOS REIS VELLOSO

Desde meados da década passada, quando começaram a sério os esforços antiinflacionários dos principais países da América Latina, sabe-se que o ajustamento macroeconômico a ser feito não se limita a um programa de estabilização no sentido estrito. Tem ele de abranger também um conjunto de reformas que permitam à nação operar no novo paradigma industrial e na nova economia internacional hoje existentes.
O recente 6º Fórum Nacional, realizado no Rio, foi mais adiante. Incluiu até a discussão de uma nova política social para o Brasil, ante a realidade de que o país realiza grandes gastos públicos na área social e obtém baixos resultados.
Dentro dessa visão mais ampla, gostaríamos de fazer um comentário sobre dois pontos: as condições para assegurar o melhor resultado do plano de estabilização, quando o real entrar em vigor, em 1º de julho; e as principais reformas necessárias a consolidá-lo e a permitir a transição para uma fase de crescimento sustentado.
Quanto às condições, destaque-se inicialmente que, como o economista Mario Simonsen acentuou no Fórum, no momento da adoção da nova moeda a política monetária e a política cambial correspondente já deverão estar operacionalizadas. Ou seja, transformadas "em rotinas operacionais para as mesas de open e câmbio do Banco Central".
Nossa preferência, nesse particular, é por uma política monetária ativa (não-permissiva), baseada no controle dos agregados monetários (digamos, M4), através de depósitos compulsórios sobre os diferentes tipos de depósitos (ou de contingenciamento de crédito).
E por uma política de câmbio em princípio flexível, embora compatível com um período em que o Banco Central atuaria no mercado para manter a taxa de câmbio fixa (o chamado "congelamento branco").
O que não nos parece indicado, nem sustentável, é o compromisso com paridades fixas irrevogáveis (ou por prazos longos, da ordem de um ano) e o anúncio prévio de fixação da taxa por dois ou três meses. Ninguém –nem o governo– poderá saber quando se vai sair da taxa fixa.
O motivo dessa opção é evitar o duplo risco de paridades fixas permanentes: a perda da competitividade das exportações, se persistirem pressões de custos industriais internos; e a automatização de importar recessões ou ter de reduzir salários nominais, nos casos de crises externas (a exemplo do ocorrido nos anos 30).
Uma outra condição de êxito do real é iniciar, sem demora, o segundo estágio da reforma fiscal. O primeiro foi viabilizar este ano um orçamento equilibrado, embora esse resultado se esteja alcançando apenas com aumento da receita, sem redução na despesa.
A etapa seguinte deve ser o ajuste fiscal permanente e isso só depende de revisão constitucional em um ponto. O grosso depende de ação decidida da própria União, sem mudanças legislativas ou constitucionais.
Esse grosso compreende a revisão das atribuições da União, transferindo para os Estados e municípios as ações de caráter local, na educação, saúde, integração regional e assistência social; o controle dos "orçamentos autônomos" (como o da Seguridade, hoje verdadeira "conta em aberto"); e o investimento maciço em melhoria do aparelho de arrecadação.
O ponto que depende de mudança constitucional é a reformulação das contribuições sociais, para acabar com a incidência "em cascata" do Cofins e do FAT, mudando-a para o valor adicional (incidência não-cumulativa).
A lição a tirar, dessa análise de condições, é que o destino do real está ligado, principalmente, à definição desse tríplice regime: monetário, cambial e fiscal. Essa, junto com a credibilidade, a sua verdadeira ancoragem.
No tocante às reformas complementares ao plano de estabilização, duas merecem especial atenção, dentro da consideração de que, de um lado, a sua consolidação está alicerçada em raízes estruturais mais amplas; e, de outro, mesmo o controle da inflação não traz automaticamente a volta do crescimento.
O primeiro tipo de reforma é a definição de um novo modelo econômico para substituir o velho "nacional-desenvolvimentismo" que se esgotou nos anos 80.
Sabemos todos que o novo modelo deve significar um compromisso com a competição e a competitividade. Entretanto, é preciso definir a sua especificidade, no caso brasileiro, falando de um "modelo bidirecional de mercado".
Ou seja, a idéia de que, em países continentais como o Brasil (os Estados Unidos estão no mesmo caso), não se trata de partir para um modelo exportador puro, no estilo dos "tigres" asiáticos. Mas de usar o mercado interno como base para a conquista de mercados no exterior.
Ao mesmo tempo, deve-se reconhecer que as oportunidades do país não se esgotam no campo das vantagens comparativas já conquistadas em setores tradicionais e em indústrias básicas, que devem ser consolidadas e atualizadas tecnologicamente. Se isso é verdade, oportunidades existem, igualmente, em termos de novas vantagens comparativas dinâmicas a serem exploradas, em nichos de altas tecnologias.
O Brasil tem de estar nesses dois mundos, simultaneamente, por ser economia diversificada e por ter condições para fazer o "upgrading" contínuo de suas linhas de produção industrial e de exportação.
Isso implica, na prática, desenvolver um processo que integre, como eixos estratégicos, a reestruturação industrial, a aceleração do progresso técnico-científico e o investimento maciço em capital humano (neste caso, para elevar rapidamente o nível de escolarização da força de trabalho, necessária a operar o novo paradigma).
O segundo tipo de reforma refere-se à criação das condições que induzam a empresa privada a ultrapassar o atual estágio de realização de estratégias defensivas de ajuste ao novo paradigma industrial (esforço de redução de custos, gestão da qualidade e da produtividade).
É preciso induzí-la a avançar para a nova etapa, de estratégias ofensivas, que impliquem em expansão de capacidade para a conquista de novos mercados, interna e externamente.
Tais condições envolvem a racionalização do processo de abertura ao exterior para evitar os sobressaltos resultantes de reduções bruscas nas alíquotas de importação; a montagem de novas instituições para gerir o comércio exterior (a exemplo da criação de uma "Agência de Comércio Exterior", como autarquia especial, para operar os mecanismos de defesa contra práticas desleais de comércio e novos instrumentos de ação ofensiva); a formulação de estratégias setoriais para os principais complexos industriais, identificando os fatores adicionais de competitividade sistêmica a serem desenvolvidos; e a definição das novas fontes de financiamento de longo prazo e de capitalização para a empresa privada, no novo estágio de expansão industrial, inclusive com reformulação do sistema de Previdência Social (e estabelecimento das novas bases para a previdência complementar).

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