São Paulo, domingo, 22 de maio de 1994
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Locação: um problema político

WALDIR LUCIANO

O Brasil tem muitos problemas. Certamente, o maior deles é a nossa atitude frente a eles. Quer dizer: somos uma sociedade que não aprendeu a lidar com problemas. As soluções, longe de serem práticas e eficazes, via de regra, estão desprovidas de bom senso.
O país campeão dos planos econômicos sucessivos ainda não aprendeu que um grande problema é composto de pequenas partes, de detalhes. Mas este é um país continente. Aqui tudo é enorme. Se não somos os primeiros, os maiores, nada tem valor. Ou resolvemos tudo de uma vez ou...
Com a URV, sonhamos que tudo se transformaria no mercado de locação imobiliária. Assim nos foi dito. Muitos acreditaram. Esqueceram, entretanto, de um pequeno problema. A memória inflacionária da nossa gente.
Esse fenômeno cultural não permite que assinemos um contrato de 12 meses sem cláusula de correção monetária. Mesmo em URV, uma moeda boa. Resultado: menos de 20% dos contratos de locação foram negociados. A onda esperada que promoveria a abertura a locação dos imóveis fechados não aconteceu.
E o pior. Embora não tenhamos dados estatísticos disponíveis ainda, observamos que os valores em URV dos aluguéis dos imóveis colocados para locação, em alguns casos, subiram mais do que a inflação. Medo da inflação futura. O não respeito às leis naturais do mercado acaba trazendo mais problemas. Um filme que os brasleiros já conhecem.
No caso da renegociação dos contratos para URV, as imobiliárias tentaram conduzir um processo de aproximação das partes. Inquilinos e proprietários estão mais confusos do que nunca. Perdemos a noção do que é vantagem e desvantagem em uma negociação. Enfim, o que é justo.
Na conversão dos aluguéis para URV faltou um parâmetro. Um pequeno problema, esquecido pelos arquitetos do plano FHC. Suficiente, contudo, para causar um reboliço na vida dos inquilinos, principalmente.
Os milhões de brasileiros que vivem como inquilinos representam um contingente de eleitores significativo. Bem superior ao dos proprietários. Não falta quem não veja nisso uma oportunidade política. Então o problema passa a ser outro.
Isso explica uma legislação que proíbe corrigir o aluguel por seis meses. Mesmo diante de uma inflação de 40% ao mês. Até inquilinos pediam essa alteração na lei. Nada foi feito. E o tiro político acaba saindo pela culatra. O inquilino fica sem imóvel. E o custo do aluguel sobe de maneira especulativa.
Com o real não será diferente do que ocorreu com a URV. Um plano tecnicamente correto e desejável pode fracassar em função dos detalhes, de pequenos problemas. Se o governo não estabelecer regras claras e específicas, discutidas de forma prévia com os interessados, vamos viver um impasse terrível.
Existe a ameaça da adoção de um deflator na conversão de cruzeiros reais para real. Com a defasagem existente nos aluguéis, por conta da semestralidade, a crise tende a ser séria. As imobiliárias que se preparem. Não será fácil conduzir o processo de negociação entre as partes.
É preciso mexer na Lei do Inquilinato, liberando os prazos de correção monetária, caso haja inflação, independente do aluguel ser expresso em real. A correção deveria acompanhar as regras estabelecidas para a revisão dos salários. Essa atitude encorajaria os proprietários e garantiria tranquilidade aos inquilinos.

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