São Paulo, domingo, 22 de maio de 1994
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LEIA TRECHO DA BIOGRAFIA INÉDITA

Leia a seguir um trecho da biografia escrita por Frédéric Vitoux -publicada nos EUA no ano passado pela editora Paragon House, com o título "Céline - A Biography" (Céline - Uma Biografia)- em que o autor analisa o anti-semitismo do romancista.
*Como uma pessoa se torna racista, como se chega a cometer crimes tão absolutos contra o espírito como a discriminação racial e a difamação, e mais especificamente, o anti-semitismo? Cada indivíduo, é claro, vive com suas próprias contradições, suas próprias zonas de sombra e luz. (...) No caso de Céline e seu anti-semitismo, muitas respostas permitem que apenas parte do enigma seja decifrada.
1. O anti-semitismo de Céline começa em sua primeira infância. O mundo antes de Dreyfus, antes da Feira Mundial de 1900, representava para ele um paraíso perfeito e imaginário. Seu pai insistia que os judeus eram a causa de todo mal e de todo o declínio. (...) Como poderiam tais idéias não deixar marcas na consciência do adolescente, do adulto?
2. No coração de todas as formas de anti-semitismo devemos procurar os ódios pessoais. Por que seria Céline imune a esta atitude pequeno-burguesa? (...) Na clínica de Clichy, Grégoire Ichok havia usurpado o que ele considerava seu lugar de direito. Elizabeth Craig, que ele adorava, o tinha deixado por um americano que ele suspeitava ser descendente de judeus. (...) Era uma conspiração. Era o grupo contra o homem solitário, os judeus contra Céline. Algo precisava ser feito!
3. O anti-semitismo do escritor era ligado à onda pacifista da época. Tudo menos a guerra! Como Léon Poliakov escreveu, "era concebível que, ameaçado como foi por Hitler, o judeu internacional não buscasse encorajar uma mobilização geral? Consequentemente, morte aos judeus".(...)
4. Ficar estarrecido com as teorias anti-semitas de Céline é esquecer o especialista em saúde pública que ele sempre foi. O autor de "Voyage au Bout de la Nuit" era obcecado pela idéia de decadência. (...) Os conceitos hitlerianos de povo escolhido, o povo ariano, sangue puro, disciplina e saúde pública acharam nele o solo fértil.(...)
6. Um último ponto. Precisamos ter sempre em mente a imagem de um Céline ferido, isolado pelo zumbido em seus ouvidos, suas dores de cabeça, suas alucinações auditivas. (...) Escrever o protegia, o levava à outra dimensão da vida, aquela do conto de fadas, do sonho -pouco importava, desde que ele alcançasse o estado em que já não se sentia mais responsável. "Ainda me faltam alguns ódios, tenho certeza que eles existem", escreveu no posfácio de "Mea Culpa". Estes ódios, que ele desenvolveu e nutriu com intolerável energia, eram, repito, ódios ficcionais para ele, ódios solitários e retóricos, nem reais nem personalizados.

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