São Paulo, domingo, 22 de maio de 1994
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Corrida dos supercondutores se acelera

JOSÉ REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nos últimos meses acelerou-se a corrida dos físicos pela obtenção de supercondutores em temperaturas cada vez mais altas na escala Kelvin, embora mais frias que o maior frio existente na superfície da Terra.
Paul C. Wen-Kan Chu, da Universidade de Houston no Texas (EUA), anunciou a quebra do recorde nesse terreno com a produção de uma cerâmica muito especial a 164 kelvins (cerca de 109 graus Celsius) e pressão de 300 kilobárias (cerca de 300 mil atmosferas).
Supercondutividade é a propriedade que têm certos metais, ligas e compostos químicos de, nas proximidades do zero absoluto, perder a resistência elétrica e a permeabilidade magnética.
Ela foi descoberta em 1911 pelo físico holandês Heike Kamerlingh Onnes (1853-1926), que em 1913 ganhou o Nobel de física por sua obra sobre baixas temperaturas e, em particular, pela liquefação do hélio.
O zero absoluto corresponde à temperatura mais fria que se possa imaginar, quando cessa todo movimento e energia.
Ele é a base da escala termométrica Kelvin, que é centesimal como a Celsius, comumente usada por nós e adotada no sistema internacional de pesos e medidas.
Para exemplificar a diferença entre as duas escalas, cujos intervalos têm o mesmo tamanho, lembramos que o zero absoluto (0 K) fica a menos 273 oC. O ponto de congelamento da água, que é zero na escala Celsius, corresponde a 273 kelvins (não se diz graus K, mas apenas kelvins).
O ponto de ebulição da água é 100 oC e 373 kelvins. Para passar da escala Celsius à Kelvin, adicionam-se 273 ao valor em graus Celsius.
Logo que anunciada a descoberta da supercondutividade, a cabeça dos físicos encheu-se de sonhos de magníficas aplicações práticas, algumas de fato já realizadas, como nos potentes eletroímãs usados nos gigantescos aceleradores de partículas e nos magnetos que produzem a levitação de trens (maglevs) ultra-rápidos e os habilita a deslizar acima dos trilhos.
Mas, para conseguir esses efeitos, é preciso recorrer a temperaturas baixíssimas (cerca de 4 K), mediante o emprego do hélio líquido que, além de muito caro, evapora-se muito rapidamente.
Em temperaturas mais altas a supercondutivididade, se conseguida, permitiria a produção de computadores mais potentes, de carros elétricos mais práticos e de melhoramento na eficiência elétrica, oferecendo vantajosas alternativas à fiação de cobre.
Estava, pois, armado o cenário para a corrida entre os físicos.
Conseguiram-se a princípio supercondutores de mercúrio, nióbio (isolado ou em ligas com nitrogênio, estanho e germânio etc.). Mas as temperaturas críticas mantiveram-se abaixo de 23 kelvins até a descoberta dos óxidos de cobre nos fins da década de 80.
Há uns seis anos, Chu e colaboradores causaram verdadeiro assombro entre os cientistas ao demonstrar que um material cerâmico, o YBCC, ou óxido de ítrio-bário-cobre, torna-se supercondutor a 98 kelvins (-175 oC).
Esse recorde foi várias vezes superado, inclusive pelo próprio Chu, com diversos materiais cerâmicos. Primeiro Chu comunicou em "Nature" a supercondutividade em compostos de mercúrio a 153 K sob enormes pressões.
Logo a seguir um grupo de cientistas franceses e russos publicava em "Science" a obtenção de 157 K a pressão de 200 mil atmosferas. O último recorde foi anunciado por Chu: 164 K a cerca de 300 mil atmosferas.
As tentativas de quebrar recordes continuarão em passo acelerado. Mas os físicos, e com eles os industriais, estão mudando suas estratégias de pesquisa.
Em vez de pensar em experimentos fantásticos, estão começando a fixar-se na obtenção de peças utilizáveis em vários campos, como eletricidade, eletrônica, medicina (por exemplo, na tomografia de ressonância magnética), placas muito finas ou películas, fios de cerâmica mais flexíveis que os de cobre etc.
As experiências até agora realizadas quanto a supercondutividade de alta temperatura têm-se inspirado na intuição e não em teorias sobre o fenômeno.

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