São Paulo, domingo, 22 de maio de 1994
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Uma visão otimista do fracasso

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
DE WASHINGTON

Mario Vargas Llosa e Fernando Henrique Cardoso têm algumas coisas em comum. Ambos são intelectuais latino-americanos de reconhecimento mundial (Vargas Llosa na área da ficção, Cardoso na da sociologia).
Os dois simpatizaram com o marxismo na juventude, viveram no exílio por causa dessa atração quando seus países estavam sob regime militar e acabaram por concorrer à Presidência como candidatos anti-esquerdistas.
Vargas Llosa perdeu a eleição em 1990 e sua experiência acaba de ser resumida em um excelente livro de não-ficção. Se vencer ou for derrotado, talvez Cardoso possa no futuro extrair da sua vida política um romance.
"A Fish in the Water" (Um Peixe na Água, Farrar Straus Giroux, 532 páginas, US$ 25) acaba de ser publicado nos EUA, país onde o autor tem passado boa parte de seu tempo nos últimos anos.
O livro demonstra notável mudança de sentimentos de Vargas Llosa em relação à derrota eleitoral quando comparados com os que manifestou após o surpreendente resultado desfavorável das urnas.
Para se ter uma idéia da mudança: a primeira versão do texto, publicada pela revista intelectual "Granta" em julho de 1991, tinha como título "A Fish Out of Water" (Um Peixe Fora D'Água).
Há três anos, Vargas Llosa parecia rancoroso e sem perspectivas.
Agora, já é capaz de encarar seu fracasso político de maneira mais relaxada, otimista. Parece ter-se reencontrado com as letras, de onde –no entanto– não demonstra mais arrependimento por ter saído.
A estrutura do livro, que não chega a ser uma autobiografia, alterna capítulos de lembranças de juventude com os da reconstituição de sua campanha presidencial.
Nos primeiros, é possível apreender como se formou o romancista, um dos mais importantes do século. Nos posteriores, como se destruiu o político, um dos mais desastrados da história recente do continente.
Vargas Llosa é honesto o suficiente para escrever: "Talvez dizer que eu amo o meu país não seja verdade. Com frequência, eu o detesto... Embora eu tenha nascido no Peru, minha vocação é de cosmopolita e de expatriado que sempre detestou o nacionalismo".
Outra confissão de sinceridade é esta, sobre como o candidato se sentia no contato direto com as pessoas a quem pedia o voto: "Eu tinha que fazer milagres para disfarçar a minha antipatia por aquele tipo semi-histérico de empurra-puxa-beija-belisca-chuta".
Seu adversário, o atual presidente e quase-ditador peruano Alberto Fujimori, com certeza não sentia aversão pelo contato físico que tinha com os eleitores.
Nem teve pruridos, como Vargas Llosa, em apelar para a emoção do público em vez da razão ou em fazer promessas incumpríveis.
A leitura de "A Fish in the Water" para os interessados em política contemporânea na América Latina, em especial para quem quer entender melhor a participação dos intelectuais no processo eleitoral, é indispensável.
(CELS)

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