São Paulo, domingo, 22 de maio de 1994
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Plagiar não é preciso

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO – Não é todo dia que um ministro da Fazenda cita um poeta. Tampouco, é raríssimo um editorial de jornal esquecer a aridez dos assuntos em pauta e repetir os mesmos versos citados pelo ministro. Mussolini dizia que a humanidade precisava de mais poetas e menos políticos. Certo.
O problema é que andam citando o famoso soneto do Vinicius de Moraes, intitulado "da Fidelidade". Aqui no Brasil atribui-se o verso "mas que seja infinito enquanto dure" ao próprio Vinicius, quando, na realidade, é a transposição literal de um verso de Henri de Régnier (1864-1936), autor relativamente menor, mas bastante divulgado nas antologias escolares da França e de países onde se fala francês, inclusive o Haiti.
O poema de Régnier, se não estou enganado, foi escrito e publicado em 1916. Não me lembro se é um soneto ou um conjunto de quadras. Tem, em linhas gerais, o mesmo sentido doloroso e amargo do soneto viniciano. Mas os versos finais coincidem: "L'amour est éternel tant qu'il dure".
Não estou acusando Vinicius de plágio: essas coisas acontecem. Raimundo Corrêa, por exemplo, quando fez "As Pombas", não sabia que Theophile de Gauthier fizera coisa parecida. E há mais: às vezes, um autor cita outro sem dar-lhe o crédito, na suposição de que todos saberão identificar a citação. É o caso do "Navegar é preciso", que muitos pensam que é de Caetano Veloso, Ulysses Guimarães ou Fernando Pessoa.
Não é bem assim. Nenhum deles (Pessoa, Ulysses ou Caetano) deu crédito ao autor da frase, que não chega a ser um verso. Está em Plutarco: a frase é de Pompeu –aquele mesmo que perdeu para César o domínio do mundo. Ele precisava levar trigo para Roma; havia falta de pão. A tempestade assustou os marinheiros, que não quiseram embarcar. Pompeu então gritou que navegar era preciso, uma vez que viver não o era tanto. Aqui entre nós: às vezes, plagiar também não é preciso.

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